Junte-se ao
Clube de Escritores.
Participe nos desafios de escrita criativa
Section divider type: triangleAsym --
position: bottom
por Estefânia Barroso Colecionou, desde sempre, pequenas e grandes superstições no seu modo de ser e, sobretudo, na sua forma de viver a vida. Eram tantas as crenças que ela própria se espantava com a sua capacidade de ir vivendo de um modo praticamente normal, sem que os outros, à sua volta, se dessem conta daquilo que se poderia chamar das suas superstições ou, até mesmo, das crendices. Ela preferia chamá-las de “particularidades”.
Desde que acordava até à hora de deitar, ia gerindo a sua vida, aplicando, de forma quase inconsciente, ao longo do dia, as suas particularidades. Começava logo ao sair da cama. Nunca colocava os pés no chão enquanto o número dos minutos não fosse par -quantas vezes não sincronizara os vários relógios para estarem todos bem certos? Não podia correr o risco de se levantar às 7.14 num relógio, mas no outro constarem 7.13! (Alguém tinha noção do quão aflitivo isso era quando acontecia?) Obviamente que o primeiro pé a pousar no chão, aquando da hora de levantar, era o direito. Iniciar o dia com um pé esquerdo não seria um prenúncio de algo positivo, isso era certo! A saga dos números continuava pela manhã fora: o volume do rádio do carro tinha que estar sempre num número par. A ansiedade que a acometia quando, no carro dos outros, não conseguia controlar esse número, era indescritível. No capítulo “números” teria ainda de referir a sua pouca simpatia pelo número 13. Não gostava nem um pouco dele, isso era um facto inegável. Sextas-feiras, 13, então, preferia ignorar a sua existência. Adorava capicuas que, para ela, sempre que apareciam indicavam que algo de bom estaria para acontecer. A estas superstições ligadas a números juntavam-se mais umas quantas que não tinham qualquer denominador comum. Ela não passava debaixo de escadas, não cortava as unhas numa sexta-feira à noite, acreditava no poder purificador de um punhado de sal lançado por cima do ombro ou largado na soleira da porta. Isso para não falar do sem número de superstições que associava a animais: considerava que os gatos eram pequenas máquinas que fabricavam boas energias. Guardá-los por perto era sempre uma boa opção! A visão de uma cobra não era, para ela, prenúncio de mau augúrio. Pelo contrário, considerava que elas traziam uma ideia da renovação e de tempos melhores. E, só para citar mais um exemplo, gostava de borboletas. Considerava que elas representavam entes queridos que já tinham partido, e que passavam pela pessoa apenas para deixar um bom dia e lembrar que, de alguma forma, eles continuavam por perto, ainda que noutra dimensão. Poderia passar o resto do dia a falar-vos das superstições dela. Tantas mais haveria para contar! Mas, caro leitor, não o quero maçar. Apenas quero contar a sua mais deliciosa particularidade (vá, superstição)! Sempre que ela comia um qualquer alimento pela primeira vez naquele ano, encerrava-se, por breves instantes, num silêncio só seu e pedia, de si para si, um desejo que queria muito que se concretizasse. Fazia isso desde a mais tenra idade. Chegou a época das cerejas? Sai desejo! Chegava a época dos morangos? Sai desejo! Caracóis? Desejo! Dióspiros? Desejo! E assim acontecia ao longo de todo o ano: a cada novidade da época, saía um desejo. Não se lembrava de onde tinha adquirido todas estas superstições. Não se lembrava se as tinha ouvido a alguém ou se ela própria as tinha inventado. Sabia, isso era certo, que não vinha de uma família supersticiosa. O mais certo era ter ouvido uma ou outra aqui e ali, outras teria inventado. E assim, com umas emprestadas e outras criadas, tinha estabelecido o seu pequeno grande manancial de particularidades que a tornavam, aos olhos das pessoas que lhe conheciam essas crenças, uma mulher ligeiramente excêntrica. Questionei-a, uma vez, sobre esse hábito de pedir um desejo sempre que comia algo pela primeira vez no ano. Alguma vez tinha visto algum desejo, pedido de forma tão fervorosa, realizado? E, caro leitor, posso dizer-te que fui brindada com um ar incrédulo e um olhar inquiridor, como quem não entendia como tal pergunta podia ser feita. Lançou, num tom que me pareceu frio e, de certeza, desafiador: “E que importância tem isso? O que interessa saber se o desejo se concretizou?” Disse-me então que na vida o que importava era o caminho e não atingir o objetivo. Chegar ao ponto proposto, ou não chegar, não era, de todo, o que mais interessava. O que era importante nos desejos que pedia a cada novidade ingerida, era a luz de esperança que se acendia sempre que o fazia. Era essa luz que lhe transmitia força para acreditar que coisas boas estavam para acontecer! E isso bastava-lhe. Compreendi, então, que aquele sem número de superstições funcionavam para ela como uma promessa do futuro, uma certeza de que o mundo iria girar pelo lado certo. E essa promessa era o suficiente para lhe dar uma ideia de previsibilidade na vida e a reconfortar. E, provavelmente, manter-lhe o sorriso na cara que sempre lhe conheci! Your comment will be posted after it is approved.
Leave a Reply. |
Desafios de escrita criativa
Este é o espaço onde publicamos os textos dos membros do Clube de Escritores. Histórico
Novembro 2022
Categorias |
6/20/2022
0 Comments