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5/2/2022

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A Persistência da Memória

 
por Sissi Mar
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Sentei-me defronte para o quadro que algures, num dia longínquo, a minha mãe pintou. Ela adorava-o.
“Filha, um dia vou pintar este quadro!”, disse-me também num dia de boas memórias em que fomos ao museu. E ali ficou com o olhar perdido no tempo, a reviver as memórias de um futuro que se queria urgente.
Eu era garotinha e agarrava a mão da minha mãe como se naquela urgência dela viver, uma nesga de futuro lhe teimasse em fugir, tal como sempre tudo lhe tinha escorregado do presente, escaqueirando-se nas memórias do passado. Sentia o seu medo… mais um, a acrescentar a tantos. E foi assim também que, num dia de muito calor e sol, a encontrei maravilhada a pintar aquele quadro que tanto amava. Havia algo de singular nessa sua paixão, até atingir a perfeição do movimento e da cor, e eu, absorta, ficava a olhar para as suas mãos delgadas de dedos finos e longos a dar vida àquele que seria o seu último quadro.
“Salvador Dali, filha”, disse-me pintando-me a ponta do nariz numa demostração de carinho, “Lembras-te?”. E via-a sorrir….por fim!
A minha mãe tinha sempre um olhar triste, mesmo quando tudo à sua volta era felicidade. Desse passado, descobri que a sua tristeza fora sempre a causa de um presente impossível de se concretizar, por tantos sonhos que se formaram num passado, e percebi então a sua urgência de futuro, mesmo que imperfeito. Compreendi que a vida lhe tinha fugido quando todos os seus sonhos de outrora se desfizeram uns atrás dos outros. Assimilei que tudo isso a desfez e dilacerou. Então, como que a encerrar um ciclo, passou dias trancada naquele quarto a pintar, retocando inúmeras vezes aquela pomba branca morta, que ela teimava em ressuscitar.
Naquele dia vi, finalmente, a sua alma brilhar e o seu corpo resplandecer.
Quando morreu, foi com essa utopia tantas vezes inglória de se fazer tanto, correr tanto, chorar e desejar tanto, para depois se chegar ao final do tudo sem nada…. Ou nada daquilo com que se sonhou uma vida inteira.
E sem sonhos, numa vida que não lhe permitiu ensaios, a cortina fechou-se e com ela a sua vida apagou-se sem glória. Eu persisto em recordar aquela pomba branca que a minha mãe pintou com tanto esmero e dedicação.
Aproximo-me lentamente da sacada da janela virada para o mar, onde poisa uma pomba branca que me olha curiosa. Sem medos, aproxima-se de mim com os seus olhos curiosos e aninha-se na minha mão em concha. Aconchego-a no meu peito. Sei que encerra o espírito da minha mãe e que os seus olhos pequeninos agarram a vida que em vida lhe fugiu. Escuto um suave marulhar no meu ouvido, que me diz tanto do que talvez ela me quisesse ter dito, e compreendo finalmente escutando o bater do seu pequeno coração que a vida é uma memória que se apaga se a deixarmos escapar, e que persiste quando lhe conseguimos pintar os contornos do futuro. Via-a então partir num bater de asas confiante, de quem tinha acabado de cumprir uma importante missão. Para mim, regressar a essas memórias foi um presente emocionante e de incalculável valor. Daquele dia em diante, foi como se juntasse uma importante peça ao puzzle do que era e do que seria a minha vida!
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