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3/8/2022

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Algures na América

 
por António Silva
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Querido diário, acreditas que agora mandaram-me este gajo gordo, com uns óculos cú de garrafa, a dizer que está aqui para me ajudar!? Diz que é psicólogo, psiquiatra, ou o raio que o parta! Quer saber se eu estou bem!?
Condenaram-me à morte, como acha que estou!? Feliz como se tivesse ganho o Euromilhões!? Está a gozar comigo!? Só não lhe comecei a bater logo porque estou algemado da cabeça aos pés. Nem consigo morder porque me puseram um açaime como aos cães. Mas o fulano lá me deu uma caneta e um papel para eu escrever um diário com os poucos movimentos que me restam. Seja!
Ontem entraram aqui na minha cela uns dez guardas, todos ao monte, para me bater porque pintei as paredes com merda, quando era suposto ter feito limpeza. Cabrões! Até a arte querem roubar a um gajo!
Agora, cada vez vêm mais guardas e ainda mais protegidos para me conseguirem dominar. Não têm tomates para me agarrar como homens. Trazem armaduras, capacetes, escudos e mais não sei quê. Depois atiraram-se para cima de mim para me arrear com o cassetete. Mas eu lá consegui enfiar uma unha por entre a roupa de um e consegui arranhá-lo com força suficiente para que um bocado da sua carne ficasse preso debaixo da minha unha. Quando se foram embora, fui de imediato chupar o dedo para sentir o sabor do fulano. Soube a pouco!
Mandam um monte de guardas para me bater porque a medicação que espetam na comida não faz efeito, por isso consideram-me um preso agressivo. Que vão todos para a puta que os pariu!
Bando de mariquinhas, querem acabar comigo com uma injecção. Nem sequer são capazes de me matar como homens. Enforcado, de pau feito, a dar pontapés no ar até conseguir acertar nalgum deles! Ou então que me despachem na fogueira, para poder gritar os insultos mais grotescos enquanto os encaro nos olhos, até a minha imagem ficar gravada para sempre nos pesadelos deles!
Por agora, limito-me a pensar em como vou espetar a caneta neste gordo que me está a meter nojo. Aposto que se convidasse todos os outros condenados éramos capazes de fazer um churrasco dos grandes com este fulano. Garanto que aquelas banhas assadas são bem melhores do que a comida da prisão.
Sussurrei-lhe um pedido de ajuda para sair daqui, mas o animal ainda teve o desplante de dizer que devemos saber aceitar os castigos pelos crimes que cometemos. Pois bem, ele podia aceitar o facto de ser um inútil. Só me deixaram os dedos livres, mas quando acabar de escrever vou chutar a caneta como se fosse um berlinde. Deus vai-me ajudar na pontaria para furar este pançudo.
Mas hei-de fugir daqui! Nem que seja a furar as paredes com os olhos, pela força de todo o ódio que trago na vontade!
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