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por Sissi Mar Entrei naquela igreja. Talvez o último dos meus redutos de paz, já que tinha tentado tudo e tanto e a quietude não viera.
Mergulhei no meu silêncio aterrador, onde ouvia todos os sons e todas as vozes, como se uma multidão me acompanhasse, mas quando olhei para o lado, sentada no mesmo banco, apenas a mesma criança suja, andrajosa e ferida que sempre me tinha acompanhado por buracos e vielas. Nunca lhe consegui ver o rosto, mas sorria-me sempre, tal como naquele momento me sorria. Sempre o mesmo sorriso puro e benevolente onde me mostrava os seus dentes sujos e gastos pelo tempo. Senti-me enojada e irritada, tal como sempre me sentia. O seu sorriso mexia com todas as cordas do meu bem-estar interior. Acendi um cigarro, ali mesmo. Os santos do altar deviam tentar compreender que não estava ali para rezar, mas para fugir de mim própria. E então, também sorri para aquela criança e envolvi-a com todo o fumo que lhe consegui cuspir. - Vai-te estafermo! - e a criança desapareceu como um anjo fumegante. Longe de me sentir bem, sentia a raiva a fazer troça de mim e o ar a faltar-me. Apalpei a garganta e tinha uma bola de fumo andrajosa a tirar-me todo o raciocínio. Doía-me a cabeça e chorava, tal como a tempestade que se derramava lá fora. Perguntei-me porque é que as tempestades vêm sempre quando aparecem os vilões e nunca consegui obter resposta. Aliás, durante toda a minha vida tinha procurado o meu palácio, mas durante todo o meu caminho ninguém me explicara porque é que os contos de fadas só existem para alguns ou o porquê de os vilões serem sempre os anti-heróis. Apaguei o cigarro debaixo do meu salto fino e gasto. Queria encontrar um sítio onde afogar a minha dor e achar o meu centro. Andei às voltas debaixo de uma chuva que tentava lavar a lama da minha vida, mas à medida que mais me molhava mais suja ficava e mais suja me sentia. E depois vi aquele lago de águas cristalinas e calmas, onde o sol despontava timidamente do outro lado do horizonte. Ao mergulhar, estranhamente, a água não era fria nem quente… era uma água onde, nas profundezas da minha dor, eu conseguia respirar. E depois veio a calma… aquela calma que me envolvia como um amor profundo e junto com aquela mansidão, o meu sorriso regressou terno e o meu peito ficou mais leve. Saí daquele lago puxada por uma luz, a mesma que me envolveu num profundo abraço e me deu a mão. A minha raiva tinha desaparecido e o caminho era feito de reconforto e esperança. Deitei fora os sapatos gastos e segui o meu caminho sem sentir as pedras que lhe bordejavam. Aqueci-me numa imensa fogueira, onde brilhava a mesma luz que me tinha envolvido e ao seguir de novo no meu caminho voltei a ver a mesma criança que tinha afugentado, agora recomposta, limpa feliz e com o mesmo sorriso envolvente. -Vem - pedi-lhe e ela deu-me a mão. Seguimos as duas refeitas e de olhar cristalino, renascidas para uma nova vida. Depois parei para admirar o sumptuoso palácio que tanto tinha procurado e que agora era meu. À sua frente, um majestoso lago de águas calmas. Sentei-me na cadeira de baloiço à porta, que rangia com o vento, e desfrutei da vida que sempre me houvera fugido. 3/30/2022 O menino que caía no sonhopor Vandunen Yanagui À noite com a lua chegava, em seguida vinha o João Pestana.
Era hora de escovar os dentes, ir para a cama, Fechar os olhos, ouvir uma história e depois sonhar. Mas havia um sonho, que visitava de vez em quando o nosso menino. Este sonho incomodava-o, deixando-o um pouco aflito. Não era um pesadelo, apenas uma estranha sensação, Que o fazia acordar em sobressalto e chamar pela mãe. O menino sonhava que estava a cair, a cair sem parar. Sentia-se só durante a queda, mas sem a qualquer fundo chegar. E o seu coração batia, batia cada vez mais depressa, até acordar. Por que tenho este sonho tantas vezes, mamã? O que posso fazer para ele desaparecer, ou melhor, não voltar? A mãe aconchegou o seu filho, com carinho e um quente abraçar. Tentando ajudar, na sua voz doce e terna, a mãe uma história contou. Acho que sei porque tens este sonho, meu amor. Depois de ouvires o que te vou dizer, verás que ele te fará sorrir. Então começou ela a contar: Eras muito pequeno para recordar, Talvez seja isto que o sonho te queira lembrar. O papá andava sempre contigo a brincar, atirava-te ao ar. Eras um passarinho, um avião e até um foguetão. As tuas gargalhadas eram a nossa alegria. Era a tua brincadeira favorita, andar pelo ar, parecia magia! Vais ver agora que se o sonho voltar, não vais cair, vais estar a voar Para onde quiseres, à volta do mundo poderás brincar. Voa, mas não te esqueças meu amor, volta sempre para casa, Se quiseres, aterra na minha cama, no nosso ninho. Eu e o papá estaremos ali sempre juntinhos para te amar. 3/29/2022 Sonharpor Patricia Pereira Sonhar…é preciso sonhar. É preciso acreditar. É preciso manter a esperança de amanhãs melhores. E sonhar é tão fácil, é tão simples voar no mundo da imaginação. Ver para além das pedras no caminho. Mas hoje, só hoje, eu não o queria fazer. Não queria uma derrota no dia da vitória. Estou completamente perdida, baralhada, num completo misto de emoções…A minha filha, tão pequena, tão frágil e indefesa, ela sabe o tumulto que paira sobre a mãe dela, não entende porquê, mas sente. Eu não consigo irradiar felicidade quando te perdi, só queria entender porquê. Porquê agora? Porque não a podes ver crescer? Ela precisa tanto do avô.
Desculpa, desculpa se o orgulho foi grande. Se não me permitiu dizer-te tudo o que está guardado cá dentro. Desculpa não ter sido a melhor filha, se não te dei motivos de orgulho e se cometi demasiados erros. Eu só sou um ser humano completamente imperfeito… Vai em paz. Descansa em paz, a tua neta vai saber o grande homem que foste, e ela vai ter orgulho em gritar ao mundo o quanto o seu avô era incrível. Vai olhar para o céu e todas as noites ter a certeza de que estarás a olhar por ela. Por nós. Não sei o que esperas de mim, mas vou manter-me fiel aos meus valores. A tudo o que me ensinaste, vais orgulhar-te da mãe que vou ser para a tua neta. Vou ensinar-lhe tudo o que me ensinaste. Vai crescer na simplicidade da vida, e ser feliz nos pequenos momentos e com o melhor da vida. Acordei, finalmente, e descobri que foi só um sonho…tu ainda estás aqui a brincar com a minha filha. Gargalhadas gostosas ecoam pela casa, e essa para mim é a maior certeza de que felicidade, amor, e saúde aqui não faltam. Porque um sonho mau é só isso, um sonho, e esses existem para nos ensinar, para nos alertar, para nos dar a certeza de que ainda há tempo. |
Desafios de escrita criativa
Este é o espaço onde publicamos os textos dos membros do Clube de Escritores. Histórico
Maio 2022
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3/31/2022
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