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por António Silva – Achas que o gajo se drogou para pintar isto? – perguntou enquanto olhavam para o quadro, como se fosse uma tela de cinema.
– Não. Provavelmente viu uma pizza cair na esquina de um móvel qualquer e ficou com esta ideia em mente – respondeu enquanto comia mais uma pipoca. – Uma pizza em formato de relógio? – Não… – Riu-se. – Uma pizza redonda como as outras. Os relógios também são redondos, juntou as duas coisas e a ideia nasceu assim. As ideias aparecem dessa forma, ao juntar memórias. – O Salvador Dalí devia ser do signo Peixes – comentou ao encher a mão de pipocas. – Lá vens tu com os signos. Os Peixes não são os únicos capazes de criar surrealismo. – Em matéria de criatividade os Peixes estão no topo da tabela do zodíaco. – Já vou ver – bufou. Mastigou mais umas pipocas, pegou no telemóvel e consultou a internet. – Nada disso. Onze de Maio. É Touro –concluiu. – Então é uma surpresa. Não sabia que os Touros também fazem arte. Adiante. Gosto como de uma coisa em duas dimensões consegue representar um ambiente em três dimensões. Faz-nos viajar com a mente – reflectiu entre os estalidos do seu mastigar. – É pena não conseguimos entrar lá dentro. Gostava de saber como funcionam as leis da física naquele sítio. Será que algum cientista já ponderou esse estudo? – Lá estás tu a divagar. Isto é uma obra de arte, a ciência não tem nada a ver com isto. É para observar e pensar. – Pensar no quê? – O balde de pipocas já começava a mostrar o fundo. – Como a vida tem os seus limites e através da arte podemos tornar o irreal possível. Nesse momento a conversa foi interrompida. Dezenas de polícias armados até aos dentes irromperam pela casa adentro. – Mãos no ar, vocês estão presos pelo roubo no quadro “A Persistência da Memória”! Riam como crianças enquanto obedeciam às ordens. – Pois! Conseguimos roubar e só agora é que nos apanharam! E isto porque nós mandámos a carta com a nossa morada! – Riram-se ainda mais enquanto os polícias puxavam das algemas para os prender. – Espero que a comunicação social esteja lá fora. Queremos ter o nosso momento de fama! – Gabavam-se com orgulho por terem conseguido fazer aquele assalto. – Considerem esta a nossa obra de arte! 4/21/2022 Visita ao Futuropor Sofia de Melo Esteves são as memórias do futuro que me perturbam.
arrancam-me do meu estado tranquilo e agarram-se, como lapas, aos meus dias. são as lembranças que ainda não existem, as visões que ainda não são, as fotografias de um laço esmorecido. são essas as guerras que travo com o tempo. o passado é-me agora fácil de gerir. uma construção anteontem robusta, mas que ontem entrou em colapso. hoje. hoje é só uma estátua cujo propósito é estar. lembrar. sem dor. medo do fim. medo do como. medo do quando. é este o estado de coisas. não é o que se acabou, é o que virá a morrer. não foram os desaparecidos, serão os vivos caminhantes até lá, ainda cá mas com o tempo em extinção. preciso cada vez mais de ti ao meu lado até um dia acabar tudo. lembro-me já da tua pele macia, das tuas piadas sem nexo. estás igual ao agora, mas tão próximo do final. fechas os olhos um minuto depois de mim, porque é assim que tem de ser e o meu desejo prevalece. não tens voto na matéria e isso digo-to já hoje. um momento. espera. cuida bem das nossas almas para lá chegarmos com vida. um momento, não avances. cuida agora do que é nosso. e mais tarde será lembrado. 4/19/2022 A Persistência da Memóriapor Carina Alexandra Oliveira Ao fundo vejo o mar, perante o cenário é nele que me foco. Quero tão somente alcançá-lo.
Quero fazer esta travessia no deserto. Preciso de a fazer. Despir-me de mim, ver mais além do que tenho diante dos olhos. Desconstruir o cenário que os meus olhos vêem. Quero alcançar o que está para lá dos pequenos detalhes. Sem tempo contado. Só vejo morte e sinto solidão. Os ponteiros dos relógios desactivados jazem inertes. As formigas cambaleiam por todo o lado. Sem sustento para si e para os seus. A mosca no relógio faz uma pausa no seu voo. O cheiro a terra seca invade o espaço. A árvore não produz mais oxigénio para me alimentar os pulmões, por isso tenho de chegar ao mar. Perdeu todas as folhas, e os galhos secos apenas suportam o peso do tempo que deixou de contar. Até quando aguentará antes de quebrar?! O mar traz-me sempre um novo respirar. Uma nova perspectiva. Um novo sopro. É a minha esperança de sobrevivência. A água, para onde me atiro, leva aquilo que não quero mais lembrar. Renova-me as ideias e as células de um corpo cansado de aridez. A pele não mais ficará seca. Ficará húmida e com cheiro a sal. Cheiro esse que me dará o impulso de que tanto preciso para continuar. Permite-me, ainda, por alguns instantes, respirar fundo. Ainda que o tempo não avance mais. Inconscientemente penso se a morte me vai alcançar. Mas eu quero viver e lutarei contra a minha consciência muda. Trocarei os meus pensamentos, mesmo quando tudo estiver de pernas para o ar. Especialmente nessa altura. Choro. Ver a natureza morta entristece-me. Tira-me a motivação e a força de que preciso. Mas já cheguei ao mar. Consegui atravessar o deserto em busca de vida. Da minha vida. Que quase ficou refém da memória das coisas que observava. O pato que acabou por morrer enquanto dormia. Será que é um pato?! Será que está morto?! Na minha memória guardo a imagem de que o era. Mas não tenho a certeza. Cada vez tenho menos certezas e mais perguntas. Contemplo o céu. As cores maravilhosas que se misturam em tonalidades veraneantes. Sinto esperança. Esperança de que esta paisagem torne a ganhar vida. Os ponteiros voltem a rodar, o pato irá acordar do seu sono temperador, as formigas carregarão a sua comida para as suas casas, pensando no Inverno que há-de vir. E a mosca voará para longe, batendo as suas asas cada vez mais fortes. Juntos conseguiremos! Alcançar aquilo que fizer sentido para cada um de nós. Em paz e com um sorriso no rosto! |
Desafios de escrita criativa
Este é o espaço onde publicamos os textos dos membros do Clube de Escritores. Histórico
Novembro 2022
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4/28/2022
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