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por Estefânia Barroso Querida Olena (acho que ainda é assim que se inicia uma carta). Os tempos já não são daqueles que escrevem cartas mas, estranhamente, senti que passar para o papel estas palavras que te quero oferecer seria mais adequado do que escrevê-las como parte do corpo de um e-mail. Utilizar esta forma tão antiga de comunicar faz-me, sabe-se lá porquê, considerar esta minha conversa mais pessoal, mais intimista.
Começo por dizer-te que esta é uma carta que nunca deveria ter de ser escrita. Nunca deveria ter a necessidade de partilhar contigo mais do que alegrias acontecidas na nossa vida, mais do que pequenos acontecimentos do dia a dia, que são insignificantes, mas que queremos partilhar com quem tem um cantinho no nosso coração. Sei que deveria perguntar como estás, perguntar como estão as coisas por aí, mas a verdade é que sei, de antemão, aquilo que me poderias dizer: a dor, o medo, o inferno. Sei que me irias dizer que a guerra não é novidade para ti, que passaste pelo mesmo em 2015 e, por isso, sabes o que custa, sabes o que dói, o difícil que é manter-se vivo nestes tempos desumanos. E sei, porque conheço a tua força e a tua coragem, que irias dizer que não será mais esta guerra que te irá atirar ao chão. Que és uma sobrevivente e que resistirás a mais este revés da fortuna com a garra que te caracteriza. Sei disso tudo e é por isso que tenho certezas acerca da tua coragem e determinação. E é nelas que me foco todos os dias, quando pensamentos mais negativos me assaltam. Não é fácil ouvir nos noticiários que houve mais um ataque a Mariúpol e que vocês continuam a resistir. Por segundos sinto uma onda de pânico invadir-me. E se a tua imagem, a tua fotografia aparecer no meu ecrã como sendo mais uma vítima desta guerra absurda? São pensamentos fugazes, digo-o já, que afugento, focando-me na grande mulher que tu és e na certeza que o destino não seria tão cruel que te arrancasse assim de todos aqueles que te amam. E é por tudo isto que fica acima mencionado que quero falar-te do que se tem passado aqui deste lado da Europa: Quero que saibas que o teu pequeno Dimitrov está cheio de vitalidade e saúde. E posso dizer-te que desde que conseguimos que trouxessem da Ucrânia, o pequeno “Sobaka” (o que ri quando percebi que o nome dele era apenas “cão”) o olhar dele ganhou outro brilho. O Dimitrov já iniciou as aulas por cá e já vai pronunciando algumas palavras em português. Não posso dizer que a comunicação seja fácil mas, com algum esforço, lá nos vamos entendendo. Passamos momentos incríveis, antes de deitar, quando conto a história da noite (a ajuda do tradutor tem sido indispensável!) Quero que saibas que aqui em Portugal é primavera, que os campos estão cobertos de cores vivas e bonitas: tudo está verde e viçoso. As árvores já ostentam orgulhosamente flores coloridas que darão, mais tarde, saborosos frutos. As andorinhas já regressaram ao país e voam alegremente por estes céus límpidos. Posso dizer-te, também, que a temperatura está fantástica e sentimo-nos num completo momento de verão. As regras para combater a pandemia foram suavizadas e sentimos, por cá, que alguma liberdade foi reconquistada. Sempre fui de opinião que o renascer da Natureza representava a possibilidade de renascimento da vida e do mundo. É como se a primavera nos trouxesse a possibilidade de “um novo dia”, diferente, mais claro, melhor. Gosto de acreditar nisso e essa crença, habitualmente, produz resultados positivos. É exatamente isso que sinto nesse momento. Não te conto tudo isto para servir de contraponto à escuridão e tristeza que reina, neste momento, na tua cidade e no teu país. Muito pelo contrário. Falo dessa primavera com sabor de verão, falo das cores e da alegria para te ajudar a lembrar que, bem perto de vocês, existe um mundo bonito e carregado de boas energias. Falo deste lado da Europa, falo do sorriso do teu filho quando brinca com o teu cão, falo da primavera, para que possas ter a certeza de que o mundo está a girar da forma certa por cá. Quero povoar a tua mente de imagens belas e felizes, coloridas, carregadas de gargalhadas e de cantos felizes. Quero que saibas que procuramos carregar os nossos dias de boas energias que enviamos em seguida, para vocês. Sei que, neste momento, estarás a sorrir com as imagens que povoaram a tua mente enquanto lias esta carta. Por alguns breves momentos terei conseguido fazer-te esquecer a guerra, a tristeza, a morte, o sofrimento. Era esse o meu objetivo. O bem vencerá e em breve estaremos a beber um café, numa esplanada com vista para a praia, vendo o Dimitrov brincar na areia com o Sobaka. Até lá. E que esse “até lá” seja breve. 5/16/2022 Tic… Tac…por Célia Evaristo Tic… Tac… Tic… Tac…
O tempo passa, Lá terá de passar! Há quem diga que depressa E há quem diga devagar. São segundos e minutos Sempre pelo relógio a passear… Não há horas, nem dias Que o consigam parar. Tic… Tac… Tic… Tac… Como quem pede perdão. As ondas rebentam no mar, As folhas caem das árvores. Se o outono já chegou, O inverno já se sentou. Tic… Tac… Tic… Tac… Parece o meu coração A bater compassadamente Como se, de repente, Só se lembrasse de ti. Bate, bate a saudade, Com tamanha intensidade. O mundo para, nada se mexe, O frio deu o seu lugar ao calor. Apenas se ouve um “tic, tac” Que me hipnotizou a alma E se chama “Amor”! 5/3/2022 A Persistência da Memóriapor Rita Leite O tempo estava a passar e eu estava parada. Os relógios pararam comigo. Naquele verão, na costa vicentina, só existíamos eu e o tempo. Mais nada. A natureza estava morta, mas eu existia. Eu e o tempo. Naquele lugar, junto ao mar e às arribas, era-me permitido tudo. Um todo sem fim. Infinito.
Mortos que estávamos, eu e o tempo, permitimos que o ar, a água e a terra se juntassem a nós. Naquele verão, em que o tempo tinha parado e não existia mais nada, permiti-me ser. Estar. É preciso voltar à terra para passar a ser ar. Para criar, rejuvenescer. A presença da água e do céu permitiram-me voltar a casa. Mesmo longe de casa. Voltar a ser eu. Enquanto o mundo dormia, eu tirei tempo para existir. Não para viver, mas para existir. Precisava de estar morta naquele momento, precisei de aguentar os pulmões sem ar, tal como fazia todas as manhãs em casa, por segundos, nas minhas meditações matinais, procurando um equilíbrio que todos achamos possível achar no meio da cidade. Mas não achamos. Naquele verão, no meio de ninguém, num retiro que fora só meu, encontrei o que a mim pertencia. A existência da longuidão de ser. Encontrei a liberdade que existe dentro da prisão. Daquela prisão que somos nós no meio de gente que não conhecemos em cidades que não nos cabem. Encontrei o direito à permanência. O direito de me conservar exangue de vida até o sangue voltar a circular. Até o ar puro voltar a entrar nos pulmões e o espírito rejuvenescer. No meio das urbes do século XXI, é difícil preservar o ar nos bofes, a água no corpo, o fogo na alma e os pés na terra. Mas ali não. Ali, foi fácil. Depois da adaptação inicial, consegui passar a ser um canguru bebé. Ou uma lontra bebé. Que precisam de sair da bolsa ou do colo da mãe para conseguirem ver o Universo com curiosidade e entusiasmo. Para conseguirem encontrar a vontade de explorar aquilo que ainda não conhecem num cosmos que está ao seu dispor com informações que não são precisas. Ali, na costa vicentina, no verão de 2019, encontrei a vontade de permanecer com vida, de sobreviver às ameaças do mundo que não conheço. Ou não ouso conhecer. Mas viver é fazer frente aos relógios parados e usá-los a nosso favor. Viver é unir a força das arribas, do mar e dos ventos à essência daquilo que somos e daí retirar energia para continuar. Para sair da bolsa da mãe canguru. Ou do colo da mãe lontra. |
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Maio 2022
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5/18/2022
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