Junte-se ao
Clube de Escritores.
Participe nos desafios de escrita criativa
Section divider type: triangleAsym --
position: bottom
por Vandunen Yanagui Por mais que tente esquecer este assunto, nos momentos mais importantes da minha vida, pumba! É certinho!
Mas que raio de pergunta é esta? Até aqui! Para que será que querem saber uma coisa destas? Que utilidade terá? A final quem nunca? Hei de culpar as minhas irmãs a vida toda por causa deste maldito assunto. A Ema e a Zoe. São as minhas irmãs mais velhas, ainda para mais gêmeas! Ambas andam sempre com esta coisa atrás. Acontece isto, faz aquilo. Aconteceu aquilo faz isto. Antes de fazeres aquilo, faz isto. Depois de fazeres aquilo, faz isto! Cristo! O pior é que por mais que eu lhes diga, ou diga a mim mesmo, que existe sorte e existe azar, tente pensar que se uma pessoa é positiva terá sorte e se pensa de modo negativo terá azar, esta coisa peganhenta da superstição, que aparece instintivamente apenas para me deixar melindrado perante as situações, principalmente se tenho de tomar decisões. É que não me larga e claro a culpa é delas! Uma pessoa nasceu e cresceu com isto e ficou impregnado no subconsciente. Foi como no meu casamento, isso é que foi lindo! A Ema e a Zoe, não gramavam nada a Marta, andavam sempre a dizer: “Com tanta miúda forte buscar a mais insuportável da escola”. Depois o bom e o belo, foi quando anunciei que íamos casar “Tu não te cases com ela”, disseram em coro! Então estávamos na igreja, já nos momentos finais da cerimónia, mesmo naquela altura em que o padre faz a velha pergunta, “Se alguém se opõe a este matrimónio, que fale agora ou se cale para sempre”. Pumba! Do fundo da igreja, isto é, da porta ouve-se um miado! Um miado, nem alto nem baixo, bem colocado. Vejo o padre espreitar por cima do meu ombro e como se tivesse viste o filho do diabo a entrar pela igreja, benzeu-se a toda a velocidade. Virei-me para trás, muitos repetiam o gesto do padre, outros batiam na madeira dos bancos ao mesmo tempo que todos os olhos se direcionavam ao não convidado. Um gato preto! Um gato preto, a entrar pela igreja como se nada fosse, como se ali fosse a sua casa! Preto! Mas porque é que tinha de ser preto, não podia ser malhado ou mesmo branco? Tinha de ser preto! Tinha de ser um gato, estes bichos estão metade cá, metade lá! Até me arrepio só de lembrar disso. Não podia ser uma rola ou uma bomba branca, a fazerem aquela cena mágica? Mas não tinha de ser um gato e preto! Que mal fiz eu! Claro que pensava que era uma partida das minhas irmãs, mas quando os meus olhos descolaram momentaneamente do gato e caíram já irados em cima delas, percebi que nada tinham a ver com o sucedido. Já estavam com as rezas e com os dedos todos torcidos. A minha mãe incrédula chorava, a mãe da Marta chorava, a Marta chorava o meu pai de boca aberta nem sabia o que fazer. Pedi ao Alberto, o meu amigo, padrinho de casamento para ir lá enxotar o gato, levantou-me discretamente o dedo do meio dizendo “Fonix! Vai lá tu o gato é preto e o casamento é teu!”. O gato foi-se deitar a meio do corredor entre a porta e o altar, mesmo onde um feixe de luz mergulhava de uma janela para o chão. Quis eu acreditar que ali estava quente. Estava quente o tanas! A quem eu quero enganar! O gato preto estava ali para me estragar a vida! Incrivelmente, ninguém se atreveu a enxotar o gato. Ninguém! O espanto de todos era tão grande como o silêncio. Haveria ali alguém que não acreditasse que o casamento estava condenado? Toda a gente, claro! O resto da cerimónia decorreu com o animal a esticado, lambendo o pelo ao sol. Dignando-se apenas a ir-se embora no fim da cerimónia. Caso para dizer, graças a Deus! No copo de água, o gato era o motivo de conversa, isso e na certeza que o casamento estava condenado. Eu já só queria era que a lua de mel corresse bem e que o avião não caísse. A Marta, coita, estava destroçada. Nem as minhas cuecas do Egas da Rua Sésamo a fizeram rir. Escusado será dizer que esse casamento durou pouco, muito menos que o previsto. A culpa, claro foi do gato, não do amante que a Marta arranjou. Mas para que querem saber se eu sou supersticioso? Esta é uma entrevista para agente de imobiliário, não para trabalhar numa fábrica de espelhos! Eu nem sei responder a esta maldita pergunta! Raios! 6/27/2022 Baseado numa história realTexto de António Silva – Então deixa-me recapitular para ver se percebi! Tu vais participar numa competição de escrita, mas deixas tudo para o último dia? – disse ela preocupada.
– Exatamente. – respondeu ele com tranquilidade. – Tu tens noção de que fazer as coisas à pressa e em cima do tempo pode correr muito mal? A isso chama-se procrastinação! O mais certo é qualquer dia falhares o prazo! – chamou-lhe a atenção. – Relaxa. Tu stressas demais. Eu sou assim. Já sabes desta superstição. Tenho de mandar as coisas no último dia. Se possível, até no último minuto. – Não tens medo de qualquer dia não entregares na data-limite? – Se calhar até tenho, mas a minha imaginação só funciona assim, sob pressão. – Soltou um sorriso convencido – Até hoje nunca tive problemas. – Estamos a falar de criar, escrever, fazer a revisão e enviar. Se juntarmos a isso tudo o teu trabalho, vida pessoal, passatempos, compromissos e para finalizar essa tua preguiça mundialmente famosa, muito me admira conseguires entregar as coisas a tempo e horas. – Mas eu tenho essa superstição. Não posso fazer nada. Portanto, sou fiel a mim mesmo. Não vou mudar. Todos temos as nossas manias e eu não sou exceção. – teimou. – Pois a minha superstição é fazer as coisas dentro do prazo e com atenção. – Confia em mim. Vou enviar o conto dentro da data-limite. O nosso suposto candidato a escritor em part-time respondeu assim à sua amiga. Estava plenamente confiante na sua habilidade de construir uma narrativa no último momento. Por mera curiosidade abriu o Facebook e foi consultar as publicações guardadas. O prazo do desafio era até dia quatorze. “Ainda tenho tempo”, pensou confiante. Mesmo assim, olhou para o calendário do computador para confirmar a data atual. “Provavelmente devia estar para aí no dia cinco”. Julgou. Olhou para o canto inferior direito do ecrã. Para sua surpresa já estava no dia quatorze! Engoliu em seco. Pegou no telemóvel para confirmar a data e de facto já estava mesmo no dia quatorze! Nunca foi muito bom a saber a quantas anda, ainda por cima, nesta altura de calor e festas, perdeu completamente a noção dos dias. – Foda-se! – exclamou! Já estava a meio da tarde. Se calhar não devia deixar assim tanto para a última. Afinal não tinha assim tanto tempo para trabalhar. Agora só havia duas soluções: desistir ou fazer jus à sua superstição de fazer as coisas mesmo em cima da hora. Saiu e procurou um local entre a natureza. Sentou-se. Abriu o processador de texto do telemóvel e começou a escrevinhar ideias. Alguma coisa havia de fazer sentido no meio de tantas frases soltas. Depois de uma horita debaixo duma árvore, à sombra, inspirado pela brisa fresca, lá conseguiu elaborar uma história. Contudo, ainda tinha até à meia-noite para enviar. Por isso guardou o ficheiro para fazer a revisão mais tarde. Tinha tempo suficiente. Depois de jantar foi ver a Lua. Estava cheia, enorme e especialmente bonita naquela noite quente. Ideal para os românticos. Quando viu as horas, 11 da noite, lembrou-se do desafio de escrita. – Bolas! – resmungou. Lá correu para o computador. Fez umas quantas alterações e ficou satisfeito. Escreveu o e-mail, anexou o ficheiro e sentiu-se orgulhoso. Nesse momento reparou na data da mensagem enviada: “dia 15 às 00.01”! Soltou o palavrão mais usado pelos portugueses. Tinha sido vítima do próprio tema do desafio: “Escrever um texto sobre uma superstição que se concretiza”. Desta vez a superstição dele falhou por um minuto. Talvez para a próxima dê ouvidos à sua amiga. por Estefânia Barroso Colecionou, desde sempre, pequenas e grandes superstições no seu modo de ser e, sobretudo, na sua forma de viver a vida. Eram tantas as crenças que ela própria se espantava com a sua capacidade de ir vivendo de um modo praticamente normal, sem que os outros, à sua volta, se dessem conta daquilo que se poderia chamar das suas superstições ou, até mesmo, das crendices. Ela preferia chamá-las de “particularidades”.
Desde que acordava até à hora de deitar, ia gerindo a sua vida, aplicando, de forma quase inconsciente, ao longo do dia, as suas particularidades. Começava logo ao sair da cama. Nunca colocava os pés no chão enquanto o número dos minutos não fosse par -quantas vezes não sincronizara os vários relógios para estarem todos bem certos? Não podia correr o risco de se levantar às 7.14 num relógio, mas no outro constarem 7.13! (Alguém tinha noção do quão aflitivo isso era quando acontecia?) Obviamente que o primeiro pé a pousar no chão, aquando da hora de levantar, era o direito. Iniciar o dia com um pé esquerdo não seria um prenúncio de algo positivo, isso era certo! A saga dos números continuava pela manhã fora: o volume do rádio do carro tinha que estar sempre num número par. A ansiedade que a acometia quando, no carro dos outros, não conseguia controlar esse número, era indescritível. No capítulo “números” teria ainda de referir a sua pouca simpatia pelo número 13. Não gostava nem um pouco dele, isso era um facto inegável. Sextas-feiras, 13, então, preferia ignorar a sua existência. Adorava capicuas que, para ela, sempre que apareciam indicavam que algo de bom estaria para acontecer. A estas superstições ligadas a números juntavam-se mais umas quantas que não tinham qualquer denominador comum. Ela não passava debaixo de escadas, não cortava as unhas numa sexta-feira à noite, acreditava no poder purificador de um punhado de sal lançado por cima do ombro ou largado na soleira da porta. Isso para não falar do sem número de superstições que associava a animais: considerava que os gatos eram pequenas máquinas que fabricavam boas energias. Guardá-los por perto era sempre uma boa opção! A visão de uma cobra não era, para ela, prenúncio de mau augúrio. Pelo contrário, considerava que elas traziam uma ideia da renovação e de tempos melhores. E, só para citar mais um exemplo, gostava de borboletas. Considerava que elas representavam entes queridos que já tinham partido, e que passavam pela pessoa apenas para deixar um bom dia e lembrar que, de alguma forma, eles continuavam por perto, ainda que noutra dimensão. Poderia passar o resto do dia a falar-vos das superstições dela. Tantas mais haveria para contar! Mas, caro leitor, não o quero maçar. Apenas quero contar a sua mais deliciosa particularidade (vá, superstição)! Sempre que ela comia um qualquer alimento pela primeira vez naquele ano, encerrava-se, por breves instantes, num silêncio só seu e pedia, de si para si, um desejo que queria muito que se concretizasse. Fazia isso desde a mais tenra idade. Chegou a época das cerejas? Sai desejo! Chegava a época dos morangos? Sai desejo! Caracóis? Desejo! Dióspiros? Desejo! E assim acontecia ao longo de todo o ano: a cada novidade da época, saía um desejo. Não se lembrava de onde tinha adquirido todas estas superstições. Não se lembrava se as tinha ouvido a alguém ou se ela própria as tinha inventado. Sabia, isso era certo, que não vinha de uma família supersticiosa. O mais certo era ter ouvido uma ou outra aqui e ali, outras teria inventado. E assim, com umas emprestadas e outras criadas, tinha estabelecido o seu pequeno grande manancial de particularidades que a tornavam, aos olhos das pessoas que lhe conheciam essas crenças, uma mulher ligeiramente excêntrica. Questionei-a, uma vez, sobre esse hábito de pedir um desejo sempre que comia algo pela primeira vez no ano. Alguma vez tinha visto algum desejo, pedido de forma tão fervorosa, realizado? E, caro leitor, posso dizer-te que fui brindada com um ar incrédulo e um olhar inquiridor, como quem não entendia como tal pergunta podia ser feita. Lançou, num tom que me pareceu frio e, de certeza, desafiador: “E que importância tem isso? O que interessa saber se o desejo se concretizou?” Disse-me então que na vida o que importava era o caminho e não atingir o objetivo. Chegar ao ponto proposto, ou não chegar, não era, de todo, o que mais interessava. O que era importante nos desejos que pedia a cada novidade ingerida, era a luz de esperança que se acendia sempre que o fazia. Era essa luz que lhe transmitia força para acreditar que coisas boas estavam para acontecer! E isso bastava-lhe. Compreendi, então, que aquele sem número de superstições funcionavam para ela como uma promessa do futuro, uma certeza de que o mundo iria girar pelo lado certo. E essa promessa era o suficiente para lhe dar uma ideia de previsibilidade na vida e a reconfortar. E, provavelmente, manter-lhe o sorriso na cara que sempre lhe conheci! |
Desafios de escrita criativa
Este é o espaço onde publicamos os textos dos membros do Clube de Escritores. Histórico
Novembro 2022
Categorias |
6/30/2022
0 Comentários