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7/26/2022

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O Bilhete

 
por Vandunen Yanagui
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Seis da manhã. Já ecoam pelas ruas os sons dos carros e da labuta dos ofícios matutinos. Mas nem os seus passos em corrida nem qualquer outro som chegam aos ouvidos de Inês. Nos ouvidos leva a sua música preferida para companhia do seu jogging matinal. Na verdade, ela já se encontra em plena hora de trabalho, na ronda matinal ao bairro, levando os seus olhos sempre atenciosamente vigilantes, à procura de algo fora do normal.
Os trinta minutos que passaram obrigam-na a voltar para casa, e o suor que traz no corpo a tomar um banho. Ela movimenta-se no seu pequeno apartamento metodicamente, ao som do silêncio que a ajuda a organizar o resto do dia de trabalho. Deixa cair a toalha no chão antes de sair da casa de banho, e transporta a nudez do seu corpo até ao quarto, onde veste a roupa interior, depois uns jeans e a camisa branca. Abre a última gaveta e tira o colete, pega na arma, verifica o carregador, a segurança e coloca-a no coldre junto ao flanco direto. Tira do cabide um blazer de tons azuis, saca a escova de dentro de um cesto de cima da cómoda e para junto ao espelho para se pentear. Por fim perfuma-se, apenas porque sim. A sua praticidade e os seus colegas não merecem melhor atenção.
Abre porta de casa e, agora sim, sente o frio da manhã. Ainda mal via o vapor da sua respiração subir pelo ar quando o telemóvel tocou. “Estás pronta para mais um dia?” Ouviu-se do outro lado.
- Bom dia para ti também, Juan!
- Desculpa, Inês. Não dormi a noite toda! É hoje que o apanhamos!
- Sim! Talvez seja hoje! Mas primeiro eu tenho…
- Olha, estou à tua espera na esquina da estação, sigo dez metros atrás de ti.
 Inês sabia que hoje não seria o dia de concluir a sua missão, pelo contrário, uma cólera silenciosa corria pela sua consciência e orgulho, pois hoje seria o dia de abandonar aquela missão e, talvez, no pior dos cenários, abandonar o emprego por que tanto lutou.
As horas obrigaram-na a deixar aquele pensamento para depois. Tinha que apanhar o comboio das sete na estação de Coslada, onde ela e o colega sincronizariam o resto do dia com o indivíduo que seguiam há mais de seis meses, Caim. Ele era a razão da raiva de Inês, uma agente da Interpol com mais de cinco anos de trabalho no terreno, que durante esta missão se deixou levar pelos olhos meigos de Caim. Ela sabia que deveria ter abandonado a missão logo que estabeleceu o primeiro contacto visual. A garganta secou-lhe e um súbito calor correu-lhe pelo corpo, como se sentisse as mãos fortes do inimigo a percorrê-lo. Caim reparou nela passada uma semana, quando gentilmente cedeu o seu lugar no comboio para ela se sentar, lugar esse que passou a ser o de sempre, junto à janela, de costas para o sentido do comboio. Caim, invariavelmente, passou a sentar-se de frente para ela, em qualquer lugar que permitisse o contacto visual com Inês.
Mas hoje, a recordação da noite do passado sábado apodera-se de Inês. A saída noturna com uma amiga a uma discoteca madrilena levou-a a esbarrar com Caim na pista de dança. Sem dizerem uma palavra, mergulhando o ritmo da música, isolaram-se debaixo dos fumos, das luzes, dos lasers e da escuridão intermitente. Beijaram-se como se fosse o único beijo possível nesta vida. A noite terminara debaixo dos lençóis, numa cama de hotel. Corpos despidos, colados e suados. Uma noite inconsequente e louca, que deixou a consciência de Inês revoltada e muda.
A chamada no auricular despertou-a: “entrou”. Levantou a cabeça e olhou para Caim, que estranhamente se sentou num lugar mais perto da porta. Trazia um semblante carregado, testa franzida, mas não conseguiu evitar um olhar para Inês, acompanhado com um sorriso triste.
O comboio começara a marcha, que deveria levar trinta minutos até ao destino. Inês reparou que Caim trazia um casaco um tanto grande e comprido para o dia que se fazia sentir. Tão comprido quanto a indiferença que lhe transmitia e que estranhamente a fazia arrepiar. Ouve-se o anúncio da próxima estação a sair do altifalante da carruagem. Embora ela saiba que a estação de saída de Caim é a última, algo a faz levantar os olhos e fixá-los nele. Ela vê-o a baixar-se antes de se levantar, como se deixasse algo no chão. Ao erguer-se, Caim olha longamente para Inês, que percebe angústia no olhar e o brilho de uma lágrima a cair. Ele levanta a mão direita, entre o polegar e o indicador mostra-lhe um bilhete, seguidamente entala-o entre a estrutura e a almofada do banco do comboio. A porta abre-se e ele sai. “Inês, ele saiu!”, ouviu o colega chamá-la à atenção pelo auricular.
Ela levanta-se rapidamente, sem conseguir evitar o fecho das portas, onde fica parada e vê Caim desaparecer da plataforma. Ela agarra no bilhete, abre e gela. Num segundo, percebe o que se seguirá, o desenho das letras hebraicas que toda a vida a seduziram e o vocabulário que lhe adoçava a boca fazem-na perder o fôlego e azedar a boca. “Inês! O que se passa?”, ouviu. Ela apenas teve tempo para levantar o braço e mostrar o bilhete ao colega. “O bilhete diz: Alá é grande!”
Ocorreram em simultâneo vários atentados terroristas na rede ferroviária de Madrid. Várias estações sofreram atentados, entre as quais a estação principal terminal de Atocha. Caim deixara quatro explosivos no comboio. Inês e o seu colega foram duas das 193 vítimas mortais. Os feridos foram 2050, naquele fatídico 11 de março de 2004.
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7/20/2022

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Como terminar uma relação

 
por António Silva
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– Queres acabar comigo!? – bufou Sara com aqueles olhos enormes completamente abertos, sem pestanejar.
–  Sim – respondeu Joaquim, como quem está resignado.
– Espero bem que isto seja uma brincadeira! Investi vários anos nesta relação. Sempre fui bem clara ao querer construir um futuro contigo. Crescemos juntos até aqui e fazemos juras de amor praticamente desde a adolescência. Sacrifiquei-me e dei tudo de mim. Entreguei-me de corpo e alma e acreditava fazeres o mesmo. Criámos uma vida juntos, por amor de Deus! – lembrava Sara. – Agora estamos quase na meia-idade e acabas desta maneira!? – O tom danado da voz dela, juntamente com os olhos esbugalhados, quase tornavam a cena cómica, não fosse o facto de ela estar mesmo extremamente zangada.
– Não é uma brincadeira. Infelizmente estou a falar a sério – argumentou Joaquim.
– Por favor, dá-me uma boa explicação! – exigiu Sara, com o rosto a transparecer fúria.
 
Um dia antes
Não era comum ele andar de comboio. Detestava as confusões. Aglomerados de gente entretida com conversas banais. O Joaquim gostava da sua vida simples e amiga do ambiente. Nada de discotecas, festas, ou outras ocasiões com a participação de muitas pessoas. Adorava a sua existência pacata junto da companheira, Sara. Morava longe das cidades, onde não há pressas. Quando precisava de se deslocar, utilizava o seu carro elétrico, do qual tinha um particular orgulho, pois tinha-o comprado com as suas poupanças.
Naquele dia, como teve de tratar de uns assuntos naquela zona, mesmo sozinho, decidiu fazer uma viagem turística pela linha do Vouga. Alguém lhe disse ser uma viagem bonita, por paisagens naturais. Lembrou-se igualmente das histórias da avó, ela falava bastante sobre os passeios naquela linha “no tempo dela”. Esses argumentos despertaram-lhe a curiosidade e foi.
Ficou um pouco desapontado quando viu uma locomotiva a diesel, pois esperava uma clássica a vapor. Para compensar, as carruagens eram de madeira, completamente vintage. Cheiravam a antigamente. Reparou na grande quantidade de turistas a participar na viagem. Imaginava os passageiros de outros tempos, com roupas típicas, a deslocarem-se entre a casa e a cidade para trabalhar, sem imaginarem que no futuro aquela vida dura ia ser recordada como uma forma de turismo.
Entrou numa carruagem e sentou-se num banco qualquer. Imediatamente, um homem mais velho, possivelmente na casa dos sessenta, sentou-se em frente a ele. Vestia de forma peculiar. Usava um chapéu largo e um casaco castanho, apesar do dia estar quente. A primeira impressão de Joaquim foi a de ser um figurante, contudo o fulano pegou num caderno de apontamentos e numa caneta daquelas antigas, com recarga de tinta. O homem olhava em volta e ia escrevinhando enquanto o comboio seguia o seu trajeto. Aparentava não dar importância aos cenários por onde passavam, estava só concentrado na sua escrita.
Abstraído a olhar pela janela, Joaquim deixou de lhe dar atenção. Era de facto uma viagem bonita, como lhe tinham prometido. Só quando estava a chegar ao destino reparou no homem novamente e em como este o olhava com alguma curiosidade. Continuou a fixá-lo durante alguns segundos até escrever algo no caderno.
Na chegada, o homem arrancou uma folha e dobrou-a em quatro. Levantou-se logo de seguida e saiu apressadamente, deixando o papel dobrado no assento. Joaquim pegou nele e tentou localizar o homem entre o grande número de turistas a bloquear a saída. Não o conseguiu encontrar no meio de tanta gente. A curiosidade do Joaquim impeliu-o então a ler a folha esquecida. "Acaba com a Sara", dizia o bilhete.
 
De regresso ao presente
– Deixa ver se percebi! Vais terminar uma relação de anos comigo porque um idiota qualquer deixou um bilhete no comboio a dizer para acabares comigo! Não te parece ridículo? – Sara continuava incrédula. Mantinha os enormes olhos abertos, pareciam estar prestes a saltar das órbitas, tal era a fúria sentida por ela.
– Ainda não percebeste. Ele não era um idiota qualquer. – Joaquim fez uma pausa dramática. – Reconheci aquela caneta mais tarde, quando cheguei a casa, e não tive dúvidas.
– Como assim, reconheceste a caneta? Explica bem explicado!
Joaquim tirou um pequeno estojo do bolso. Abriu e mostrou uma caneta antiga.
– Deram-me este presente quando entrei para a escola primária. Na altura foi muito cara. A ideia era usá-la quando fosse adulto. Depois, com o surgimento das novas tecnologias deixei de escrever à mão e passei a fazer as minhas notas no telemóvel. Nunca cheguei a usar a caneta. Por isso, ficou escondida numa gaveta e já não me lembrava dela, até ontem. O homem usava exatamente esta mesma caneta. Sabes o que isso significa?
Sara não respondeu. Atónita, limitou-se a esperar a resposta.
Joaquim segurou a caneta diante dos olhos dela.
– Aquele homem era eu, vindo do futuro!
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7/12/2022

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As minhas viagens

 
por Maria da Luz Barros
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Quando aceitei fazer o curso de doutoramento em Valladolid, aconselhada pelo meu orientador, vi-me obrigada, semanalmente, a viajar de comboio, durante dois anos letivos, porque me recusara a conduzir. Foram viagens muito cansativas, por vezes desmoralizadoras. Às sete da tarde, de cada terça feira, entrava no comboio internacional, chegando ao meu destino perto das duas da madrugada, hora local; às três da manhã, de cada sexta feira, regressava a casa. Durante essas viagens, cruzei-me com muita gente. Uns mais simpáticos do que outros. Uns mais atrevidos do que outros. De janeiro a junho, muitas vezes, viajei sozinha na cabine. Entre julho e agosto, os passageiros amontoavam-se, sendo na sua maioria emigrantes portugueses: enquanto uns vinham passar férias com a família a Portugal, outros já regressavam a França para retomar o trabalho.
Apanhei alguns sustos durante as viagens. Houve noites em que senti medo. Os olhares dos emigrantes clandestinos que se escondiam das autoridades na cabine onde viajava intimidavam-me. Cheguei a ter medo de um dia ser refém. Numa noite, quando me sentei no meu lugar, em frente tinha um homem de tez escura, quase cor de azeitona, com o dedo indicador a fazer-me sinal para não gritar. Não entendi, mas obedeci. Com a pasta de couro castanha e a bolsa, onde guardava os documentos e algum dinheiro, a fazerem de almofada e o casaco de cobertor, semicerrei os olhos, evitando que ele tentasse comunicar comigo. O silêncio era medonho. Apenas se ouviam as rodas de ferro a pisar os carris. Pouco antes de atravessar a fronteira, apercebi-me de que estava a encobrir um crime: havia alguém escondido debaixo do meu banco; o respirar descontinuado assim me fizera crer. Fingindo que desapertava as botas, espreitei e vi ali uma criança, estendida como um peixe-espada-preto, não se mexeu e arregalou um dos olhos quando se apercebeu de que fora descoberta. Nesse momento, o bater do meu coração acelerou de tal forma que temi que ele saísse pela garganta.
Quando o comboio parou, como era habitual fazer para a identificação dos passageiros, fiquei sem saber como reagir. Num repente, sentei-me. No mesmo instante, o homem saiu da cabine sem dizer uma palavra ou fazer um gesto. A aproximação de vozes descansou-me um pouco. Abri a porta da cabine para que aquela inocente pudesse respirar melhor. Saí para o corredor e debrucei-me sobre o corrimão, junto das janelas, tentando perceber a estratégia do homem que abandonara a criança. Nem sequer descobri a sua sombra. A subjugação daquela criança preocupou-me. Antes de abandonar o comboio tinha de denunciar o caso. Entretanto, o comboio começou a deslizar sobre os carris. Felizmente, os polícias não passaram por ali. A cabine não foi vasculhada. Dirigia-me para o meu lugar quando o homem entrou na cabine, chamou o menino, em tom de desespero, e saiu a passos largos dali. Nunca mais os vi.
Durante essas viagens, ouvi mais lamentos do que manifestações de alegria. Assisti a prisões, a discussões, a agressões, a desgraças. Num dia de outono, ao alvorecer, uma mulher atirou-se para debaixo do comboio, em Santa Comba Dão. Fomos proibidos de sair para o exterior. Mas, claro, ninguém ficou sentado nas cabines. As informações, chegavam a conta gotas. A curiosidade aumentava a cada minuto que passava. Todos estávamos ansiosos para chegar a casa. Foi na carruagem restaurante, onde fui comer uma sandes de queijo e tomar um café, que me informaram do que tinha acontecido; e que o comboio só podia arrancar depois da perícia policial e da visita do médico legista.  Resignei-me. Regressei ao meu lugar, com a intenção de começar a ler um livro que me tinham oferecido sobre a importância da água na Idade Média. Ao pousar a bolsa no banco, reparei que havia um papel branco em cima do meu casaco. Fiquei irritada com o imbecil que havia feito do meu agasalho um caixote de lixo. «Gente pouco civilizada!», pensei. Corri para a porta, na tentativa de apanhar quem não teve pejo de cometer aquele gesto de pouca educação. Quando decidi atirá-lo para o lixo, verifiquei que estava dobrado em quatro. Estranhei esse facto. Desdobrei-o. Para minha surpresa, tratava-se de um bilhete com um recado, ou talvez uma ameaça.
 
«Não gostei do seu olhar. Achei que foi atrevido. Não me conhece para me lançar um olhar de cobra venenosa. Fê-lo com desdém! Que audácia! Gosta de correr riscos? Aconselho-a a que, no futuro, tenha mais cuidado. Olhe de frente para as pessoas e sem medo. Vou ficar vigilante.»
 
A assinatura era ilegível, penso que o fizeram de propósito. O texto estava escrito numa caligrafia bonita e num português correto. Voltei a atravessar duas carruagens para chegar à carruagem restaurante, para, disfarçadamente, conseguir identificar o autor daquele texto sem sentido. Porém, não tive a capacidade de identificar o autor daquele bilhete. Ninguém me pareceu suspeito. Seria um simples engano? Apesar das muitas perguntas que fiz a mim mesma, não obtive respostas. A preocupação acompanhou-me o resto da viagem. A apreensão só desapareceu quando saí do comboio em Valladolid. Contudo, continuei a olhar para todos os lados…
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