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por Isabel Gomes A corrida para chegar ao carro foi tão cansativa que se atirou lá para dentro como se fugisse de um mundo onde não teria salvação.
Atrasado para a consulta no dentista – ainda tinha vinte minutos de condução pela frente. O telemóvel tocou. Há três meses que aguardava por esta consulta. Não, não vou atender. Olhou para o ecrã. Era Paulo, o amigo que fizera anos recentemente. Conduziu pelas ruas cheias de carros, que ele conseguia ultrapassar sem tocar em nenhum, apesar de ter a clara sensação de que iria roçar a chapa dos outros carros. O telemóvel tocou mais duas vezes, mas já nem olhou. - Senhor Ricardo, a sua consulta foi cancelada. O doutor testou positivo esta manhã. Estupefacto e furioso com a notícia, quase não ouviu o resto da comunicação. - Ligámos para si, mas não atendeu. Sem dizer uma única palavra, saiu dali. Ainda pôde ouvir a empregada dizer “Ele há com cada maluco…O Covid deu cabo destas cabeças.” A luz da janela do quarto era agora muito intensa – era o sol de janeiro, em Portugal. Acordou. Alívio. Foi um sonho. A consulta que tinha nesse dia no dentista ia acontecer. No duche recordou o sonho. Aquela sequência de problemas e o stress que sentira no sonho não eram novidade naquele mês que já lhe tinha trazido alguns dissabores. Quem poderia imaginar que o teto de uma cozinha remodelada há menos de três anos iria desabar na noite de Reis? Saiu de casa quando faltavam cerca de trinta minutos para a hora da consulta. Ia extrair um dente que o incomodava há muito - a pandemia causava adiamentos sucessivos, mas os seus compromissos de trabalho não permitiam alterações de última hora. O telemóvel tocou. Lançou-lhe um olhar, curioso e expectante. Era Paula, a ex-mulher. Irritado, suspirou e voltou a olhar para a estrada. No segundo seguinte tinha o airbag em total invasão do seu rosto ensanguentado. Acordou. Não estava na cama. Sentia o peito apertado, respirava com extrema dificuldade e mal conseguia abrir os olhos, mas percebeu que estava tudo muito escuro. Começou a tossir descontroladamente e sentiu-se enfraquecer. Um estrondo ali perto e pessoas a correr. Mal tinha forças para tossir. Tudo se apagou depois de ouvir “Vamos com muita calma! Temos um teto caído no chão e uma pessoa debaixo dele.” 3/15/2022 Visitas Noturnaspor Marta Janicas Sonhei contigo.
Quem és? Não sei. Sinto que te conheço, que partilhámos uma história. Tudo à tua volta é escuro, a penumbra oculta-te o rosto. Nunca te ouvi falar, não duvido de que tenhas uma voz grave e séria. Estás totalmente vestido de preto, como sempre, talvez não te conheça na realidade, mas aqui neste mundo que é só meu, tu já tens lugar cativo. Não sei o teu nome, honestamente nunca pensei dar-te um, estremeço só de pensar que algum dia terei de te enfrentar. No sonho nunca me olhaste, nunca te dirigiste a mim. Vejo-te de um ângulo inferior, como quem admira alguém a passar. Idolatro-te. Fico extasiada quando te vejo passar, altivo e confiante. Acho que não devia expiar-te, mas sinto que é uma questão de vida ou morte. O teu olhar não se desvia do caminho que percorres, não fazes ideia de que me encontro aqui, mas sabes que não estás sozinho. Quando abrandas o passo até estagnares e fechas os olhos, penso que é desta que vou ser apanhada. O meu palpitar aumenta, a minha caixa torácica torna-se pequena para tanto bombear, os meus ouvidos não suportam o barulho – pum-pum-pum – frenético. Acredito que, embora não me tenha mexido um milímetro, tu me consegues ouvir. Que és atraído para o meu pulsar. As gotículas de suor acumulam-se e o desespero começa a instalar-se. Ainda não retomaste o teu caminhar decidido. Eu não estou preparada. Em breve vais encontrar-me e vais obrigar-me a confessar. - Vai obrigá-la a confessar o quê? - Esperemos que a resposta esteja no próximo capítulo. Não se esqueçam, amanhã às 19 horas aqui no clube. 3/14/2022 Texto de Ana Margarida MarquesEncaro a porta do escritório. A placa "Dr. Esmeralda" enrola-me o estômago numa mistura de má disposição e ódio.
As luzes estão acesas, mas o brilho é quase nulo. Está sentada no sofá. -Não consegues conter o ódio que sentes, não é? Pois bem, aviso-te já que a sorte não está do teu lado... Que pena. Deve ser algo extremamente complicado para ti, mas eu tenho mais que fazer. - Porque é que recebi isto? Já não fiz tudo o que me pediste? - Mas que voz tão irritante que tens... A sua mão, engelhada pela idade, procura a arma escondida por entre as almofadas do sofá. - Esse documento é a tua nova vida. Não há nada que possas fazer para o alterar. Não consigo conter as lagrimas. - Não tens o direito de controlar a minha vida! Eu escolho como viver! Deixa-me ser livre e não revelarei o teu precioso segredo. A sua mão toca o meu rosto. Sinto arrepios por todo o corpo. O suor que escorre pelas minhas costas está gelado. "Por um momento pensei que estivesse a fazer a coisa certa... Só queria cortar as amarras que me prendem a uma vida de sofrimento". - Não há nada que temer. Estás segura comigo. Sou a tua salvação! "Se não fosse ela e o seu dinheiro, há muito que teria perdido aquilo que mais amo". - Eu sei que tens ódio àquilo - aponta para um maço de notas -, mas achas que eu me vou importar com aquilo que tu sentes? A revolta não tem utilidade para mim. Os revoltados são a escória da sociedade. Agora deixa-me em paz. Vai-te embora e a caminho da saída pega no teu destino, e por favor, sem lágrimas nos olhos. - Não! Devolve-me a minha vida! Estava cega pela raiva. "Se aquela mulher desaparecer, finalmente serei livre!" Pego num candeeiro de vidro e corro na sua direção. Vidros estavam por toda a parte. O seu rosto estava ensanguentado. A sua mão também coberta de sangue ocultava o olho direito. -Eu prometi que se me trouxesses problemas, teria de me livrar de ti. Não vais arruinar a minha vida! Apontou a arma na minha direção. Estava condenada à morte. Senti a bala perfurar-me o peito. O ódio tinha desaparecido, a angústia também. Nada mais fazia sentido... O meu olhar, cego, observava a mulher encharcada em sangue. Gritava em desespero... A porta abriu-se violentamente. Ouvi passos, e o meu corpo cedeu. |
Desafios de escrita criativa
Este é o espaço onde publicamos os textos dos membros do Clube de Escritores. Histórico
Novembro 2022
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3/18/2022
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