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6/6/2022

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Chuvas, preconceitos e legados

 
por Nilton Marlúcio de Arruda
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Caiu um aguaceiro tão forte naquela tarde que fiquei imóvel por longos minutos. Não conseguia, sequer, sair do abrigo em que me estacionei na paragem do autocarro 503, que vai de Rio Tinto a Timbaúba. Por força das coincidências, aquele temporal me atravessou o caminho quando estava eu exatamente de passagem pela Rua dos Aguaceiros. Enquanto buscava no horizonte uma fresta de trégua em forma de sol – ainda que tímido -, vi que dois jovens – um casal, certamente - vinham em minha direção, no lado oposto da calçada, em passos lentos como costumam andar miúdos enamorados. Já não chovia neste momento em que aquelas pernas saltavam em câmera lenta sobre os restos de água que faziam espelhos sobre o chão. Aos primeiros sinais de novas gotas vindas do céu, no entanto, a menina tratou logo de abrir o seu guarda-chuva. E se protegeu como se deve. Mas, deixou de fora o gajo que permanecia ao seu lado, exposto aos pingos grossos e às rajadas de um vento lateral. Juntar a sua mão direita às mãos dela foi o único movimento de aproximação dos corpos sob o novo temporal que já desabava sobre as nossas cabeças. Eu, entretanto, permanecia sob a proteção da paragem coletiva. - Não são namorados! De certeza, não estão a namorar! – Gritou uma voz debruçada sobre a janela do número 539. - Ainda não, pois! Há muita timidez naquela cena. É começo de namoro. – Respondeu, sem ser questionada e em outra gritaria, uma senhora que assistia a tudo no edifício em frente. Não sei quem estaria certa naquelas deduções precipitadamente românticas. A sentença da segunda observadora parecia ganhar a minha concordância. Afinal, os encontros de casais em início de relação são marcados por indecisões, distâncias e poucas intimidades... tipo as marcações de um palco de peça teatral. De forma mais espontânea, talvez. - Casados! São já marido e mulher. Aposto todas as minhas fichas! Foi a sentença de um senhor que chegou à pressa e bastante ensopado pela chuva àquela paragem do 503. E, ainda, fez questão de disparar uma última certeza: “casamentos acabam com os namoros”.
Confesso que já havia escutado algo semelhante. Afinal, nem todo o namoro acaba em casamento, mas, fatalmente, todos os casamentos acabam com as delícias do namoro. Pela comodidade, tornam-se vítimas da rotina pesada que a realidade impõe aos casais, por conta do despir das máscaras e das formalidades dos tempos de conquista. Na mesma medida em que continuam os mexericos e as suposições o casal avança em nossa direção. Num certo trecho, a miúda sob o guarda-chuva sai da proteção. Ele, porém, continua às gotas. Molham-se ambos. Imediatamente, novas críticas embarcam nas mentes e saltam das bocas dos observadores. - Brigaram! Era suposto, pois. A rapariga deixou o gajo à chuva e ele deve ter reclamado. Pronto! Agora, ficam os dois a ponto de uma constipação. – Disparou uma terceira moradora na portaria do seu prédio no número 543. Assim, fui deixando me levar pelas críticas maldosas... E, ainda pior: me vi tirando as próprias conclusões. Se a menina, por timidez, não ofereceu abrigo ao rapaz, é um sinal de que está apaixonada. Teme, talvez, perder o controlo após uma aproximação. Mas, e se forem apenas bons amigos? - Que se passa, pá? Um amigo de verdade não abandona o outro em um aguaceiro desses. – Irritou-se o varredor de ruas, com a vassoura em riste. E fiquei a pensar num final para aquela cena. Bonita, por sinal, mas cheia de conotações. Afinal: o que os nossos olhos não veem, a gente preconceituosamente, imagina... De repente, o casal parou e se olhou frente a frente. Os efeitos da chuva sobre os cabelos foram reveladores: são duas meninas. Uau! Duas raparigas. Nada de casal. Quer dizer: pode ser um casal... E o mais intrigante era a perceptível preocupação delas com o objeto que traziam às mãos. Da paragem, de tão perto, já era possível ouvir a conversa entra as duas. - Será que molhou? – Perguntou uma delas. - Se calhar... – Respondeu a outra a conferir o vasilhame de vidro que protegia com todo o cuidado do mundo. - Nada! Graças a Deus! E aos nossos olhos curiosos, explicaram as duas ao mesmo tempo: - Cinzas. São as cinzas do nosso pai...
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