Contratempo

por Raquel Lopes

O trânsito estava caótico com aquela chuva violenta. Ele sentia-se esbofeteado por cada gota que lhe tocava o rosto cansado.
Resguardou-se na entrada de um prédio e aguardou que a natureza se acalmasse.
O silêncio típico daquela hora da manhã deu lugar a uma orquestra, onde a trovoada era maestrina. No ar sentia-se o cheiro a terra molhada.
Tiago, editor de profissão, só queria chegar ao escritório e mergulhar na imensidão de textos que tinha para trabalhar.
Tudo parecia andar do avesso. Na véspera, durante o jantar, o gato, assustado com um som estridente vindo da rua, saltou para cima da mesa. O que era suposto ser um jantar romântico virou cenário de guerra. Molho de tomate respingado por todo o lado e cacos da loiça delineavam as zonas interditas à circulação.
— Maldito gato! Olha o estado em que fiquei… — resmungou ela, enquanto limpava molho da testa.
— Coitado, assustou-se! Continuas linda!
— Estou ridícula! — levantou-se, pousou o guardanapo na mesa e atirou — Livra-te dele!
Tiago ainda a tentou acalmar, mas sem sucesso. A ideia de partilhar a atenção do namorado com o gato deixava-a com comichão no ego.
De manhã, o Porsche ofereceu-lhe uma viagem “à la pata” até ao escritório.
A chuva acalmou. O Sol cumprimentou-o com ar de gozo. Não tardou a vislumbrar-se o céu varrido de nuvens.
O escritório ficava a cinco minutos dali. Entretanto, tocou o telemóvel. Era o pai a perguntar se tirara folga sem avisar.
— O carro não pegou e acabei de apanhar uma molha.
— É melhor ires à bruxa… ou devo dizer namorada?
— Não te admito que fales assim dela.
— Se não fazes o quê? Acorda rapaz. Essa relação será o maior falhanço da tua vida.
Tiago desligou furioso.
Passou o dia taciturno. O pai tinha razão, mas o orgulho não o deixava vergar.
Sentiu a revolta tomar-lhe o corpo. Era urgente terminar aquela relação.
Essa decisão devolveu-lhe a felicidade que já não sentia há anos.