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por Raquel Lopes Rever estas fotos é viajar no tempo. Recuo ao mel do teu colo, onde me beijavas com o olhar.
Era a menina. Um sonho que guardavas para ti: ter uma neta. Apesar de parca em palavras, os teus gestos denunciavam o amor que me tinhas. Aturavas todos os meus caprichos de criança com um sorriso meigo. Saudades do degrau de madeira enegrecido pelo fumo e polido pelo uso. Sentava-me lá, de prato nos joelhos para comer o caldo que me sabia pela vida. Fitava as negras panelas de ferro e a fogueira, minha confidente, que iluminava a degustação. O fumo de anos vestiu de luto todo aquele espaço. À noite, a candeia de azeite dava uma luz envergonhada naquela sala acolhedora, onde o cheiro a pedra fria barrada com cal se misturava com um amadeirado queimado pelo tempo. Ali se contavam pequenas histórias antes de recolher ao cubículo que fazia de quarto. Um projeto de cama com um colchão de palha seca, duro e desconfortável, aguardavam-te. Guardavam em silêncio memórias, lágrimas, medos e esperança. Lembro-me das Páscoas contigo, onde o cheiro a tinta fresca se entranhava no nariz tornando o espaço estranho. Aquele azul do céu feria-me as pupilas habituadas às cores mortas da fumaça. Os janelos, vestidos de cravos alegres, anunciavam a primavera muitas vezes envergonhada. Na mesa, a toalha de linho servia de leito a uma laranja com uma moeda no topo, e ao dízimo para o senhor padre. Nunca faltavam os biscoitos e os folares de Páscoa. Parece que ainda lhes sinto o sabor a saltitar nas papilas. Fecho os olhos. Lá ia eu a saltitar ao teu lado, a tua mão era o meu amparo. Mais um piquenique numa romaria da época. Cestas de verga recheadas das tuas iguarias, mantas de retalho decoravam um piso despido de conforto. O cheiro a pinho confundia-se com os frangos assados. A brisa trazia ocasionalmente o doce das cavacas de romaria. Os pregões baralhavam-se com músicas populares. Ao longe, os andores decorados a preceito eram carregados por rostos de cansaço. Pouco comi. A caruma era mais interessante para brincar com uma formiga atarefada a carregar uma migalha de pão. Sacudo a cabeça, esfrego os olhos. Sinto um vazio carregado de saudade. Um par de lágrimas pede licença para seguir caminho. Partiste sem nos ser permitida uma despedida. Obrigada por cada momento. Jamais esquecerei as raízes que me trouxeram até aqui. Seu comentário será publicado após ser aprovado.
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Junho 2022
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12/6/2021
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