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10/19/2020

2 Comments

O dia inicial

 

de Raquel Martins

texto vencedor desafio de escrita criativa, Raquel Martins

O telefone tocou e o peito estremeceu.
Do outro lado, uma frequência aguda e contínua subjugou-me os ouvidos e o coração comprimiu-se num soluço abafado.
É sempre assim. Nos momentos difíceis, a voz some-se e a capacidade de cuspir o que me entala não existe. Instala-se uma dor no peito cinzelada a terror e abandono, que se alastra ao corpo e o torna dormente e quebrado. Fico com formigueiros nos dedos e sinto-me fraca.
Ela tinha partido. O dia inicial tinha-nos chegado.
Tinha medo de confessar ao meu coração a hora grave deste dia. Adiei o destino o mais que pude.
A vida não tem nada de indulgente e mesmo assim, talvez seja menos cruel do que a julgamos: – Dá-nos tempo e espaço, para que as asas cresçam nas costas e para que o salto encarpado da vida se faça sem horror, no momento certo. Será isto envelhecer?
Primeiro, foram os esquecimentos, as palavras trocadas, os gestos irrefletidos e incoerentes, as atitudes fora de sítio, que nos deixavam perplexos e confusos. Uma espécie de entorpecimento e abandono que, pouco a pouco, alagou o leito do rio.
Depois, começaste a tratar-me por você e este coração humilhou-se todos os dias um pouco mais.
Não tratamos por você a carne da mesma carne, porque somos um só. Eu e tu - somos a unidade. Dentro da mesma casa, não temos vizinhos.
Comecei a pressentir que a casa se foi estreitando e que à medida que os dias se gastavam, mais uma porta se fechava e um interruptor se desligava, deixando às escuras a alegria dos dias.
Os últimos meses, contigo já ausente, inteiriçada numa cama de hospital, quebraram-me e condenaram-me ao deserto do meu descontentamento. Nunca estamos preparados para a morte e ela está sempre tão perto e atenta a fitar a presa.
Dias felizes do passado, reacendem a lareira das boas memórias, onde me sento e repouso a absorver o calor do amor e das caras lembranças, tão necessário, para que me possa reerguer e continuar a caminhada. A esperança é como os gatos. Tem sete vidas.
Não existem palavras que honrem a morte daqueles que amamos, pois é um pedaço de terra que se esvai entre os dedos. Não podemos impedir que a vida se cumpra. E só se cumpre num fim.
Gostava de te ter aqui, mas sei que a morte só ganha batalhas no esquecimento e esse, não tem fôlego para quem corre depressa. Estás comigo em todas as coisas - um pensamento, uma imagem, uma associação, um sorriso, um lugar, uma flor, uma entoação de voz. Nos dias de resistência e luta. Nos dias de ternura. Na brisa da beira mar. Quando observo o meu filho a dormir.
Viver é continuar. Por ti. Por mim. Por nós.
Um dia, as mãos voltarão a encontrar-se.

2 Comments
Telo
10/20/2020 02:40:14 pm

"à medida" e não" há medida"???
Gostei.

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Laboratório de Escrita
10/21/2020 09:20:47 am

Tem toda a razão, obrigado pelo alerta. Passou em duas revisões, mas já alterámos.

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