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por Estefânia Barroso Abri os olhos. Deixei-me ficar muito quieta, não movendo um músculo, perscrutando apenas a escuridão à minha volta, procurando ouvir para além do silêncio que estava instalado. Os meus olhos habituaram-se à obscuridade (que no meu quarto nunca é total, uma vez que odeio dormir num quarto totalmente às escuras). Vi que o gato, aos meus pés, dormia profundamente. Virei os olhos para a janela. Ainda não se vislumbravam as primeiras luzes da madrugada. Agucei o ouvido, mas pouco mais ouvi do que o latir, ao longe, de um cão, provavelmente aborrecido com a vida que leva. Os pássaros, esses, ainda se mantinham no seu silêncio da noite. Nada do seu canto anunciando alegremente um novo dia. Por todas estas constatações pensei que não poderia passar muito das 4 da manhã.
Contudo, eu estava acordada. Estava de olho bem aberto, observando, com cuidado, tudo o que me rodeava. No fundo, eu procurava uma razão para ter sido acordada tão repentinamente, como se alguém me tivesse tocado no ombro, tivesse sussurrado o meu nome, acima de tudo, como se alguém tivesse querido acordar-me. No entanto, nada do que me rodeava sugeria que pudesse ter sido o culpado de ter sido acordada do meu sono, que pretendia que fosse profundo e reparador. O gato não andava a correr pelo corredor, num assomo de energia, percorrendo corredor acima, corredor abaixo, como se a sua vida dependesse disso. Também não miava com aquele miar que avisa “apetecia-me mesmo um pouco de patê, humana, para AGORA!” Pelo contrário, dormia, placidamente, não demonstrando que, o que quer que me tivesse acordado, o teria acordado a ele também. O silêncio em casa era ensurdecedor. Nenhuma janela aberta batia por causa do vento, nenhuma porta chiava. Ninguém se tinha levantado para uma visita à casa de banho ou para beber um copo de água. Observei-me a mim própria: nenhuma pequena dor incomodativa, nenhum membro com formigueiro, nada. Também não seria o meu corpo a pedir-me para acordar, de um momento para o outro, interrompendo o meu sono e o meu sonho que tão bom estava a ser (eu, num profundo sentimento de paz, deitada num campo de margaridas, a olhar para o céu) …Decididamente, eu tinha acordado de um modo repentino (coisa que odeio) e não encontrava razão para tal. E isso era extremamente aborrecido para mim, que adoro ter aquele sono contínuo que me faz acordar, pela manhã, sentindo que estou renovada, como quem tem, de novo, vinte anos, e não sente nenhuma dorzinha incomodativa, neste ou naquele músculo, neste ou naquele membro. Olhei então para o relógio. Queria verificar que horas eram e quanto tempo me restaria para dormir, depois deste acordar inesperado e inexplicável, deste ponto final no meu doce sonho de paz. Reparei então nas horas: 4h44. O relógio parecia ter-se cristalizado nesta hora (4) e nos minutos (44). Sorri de mim para mim. Acordas a meio da noite, não vês razão para isto e, quando olhas para o relógio, a hora está “parada” numa capicua. Aí estava razão pela qual eu tinha acordado. Algures neste mundo alguém estava a pensar em mim. Desde a mais tenra idade que associo, de um modo totalmente infantil, as capicuas dos números à certeza de que alguém de quem gosto está a pensar em mim. E quando, num assomo de racionalidade, pensei que ter alguém a pensar em mim, às 4.44 da madrugada era pouco provável, encontrei a minha própria explicação: se calhar não está a pensar em mim. Está, com certeza a sonhar comigo! Toda a gente sabe que, quando estamos presentes e acordados no sonho de alguém, nós, do nosso lado, na nossa cama, somos acordados repentinamente e não conseguimos dormir! Aí estava a explicação para eu ter acordado de um modo tão súbito! Quem sabe não estaria a dançar no sonho dele, cheia de energia e vivacidade? Sorri sozinha no meio daquela madrugada. Gostava da explicação que tinha encontrado para esta estranha insónia que me tinha acometido, para este acordar brusco que me tinha arrancado do meu próprio sonho. Sim com certeza ele (o ele que eu queria acreditar que estava a sonhar comigo naquele momento) estaria a sonhar comigo e com algum momento mágico que teríamos vivido ou que ele estaria a sonhar. Seria, com certeza, um momento bom. E embalando-me nesta doce ideia do sonho fechei os olhos, ajeitei melhor o corpo na cama, pensei nele e murmurei: Até já. Encontramo-nos num sonho teu ou, quem sabe, num sonho meu. E ainda não tinha acabado de pronunciar estas palavras e já as trevas do sono voltavam a cair sobre mim. Foi, desta vez, um sono contínuo, aconchegante e reparador. E para aqueles que agora questionam se, efetivamente, sonhei, posso informar-vos que sim, que sonhei e que nos encontrámos no sonho. Os pormenores do sonho não vou contar. Esses, guardo-os para mim. O seu comentário será publicado depois de ser aprovado.
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3/21/2022
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