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1/12/2022

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Projectos e Papel de Embrulho

 
por Mara Frade
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A fé do meu pai em si mesmo sempre foi de tal ordem que, mesmo os agnósticos da sorte, confiavam nos seus medonhos projectos e investiam os seus tostões nos planos e esboços, escritos nas costas dos papéis de embrulho que lhe serviam de rascunho.
Foi assim que conheceu a minha mãe, enquanto ele desenhava afincadamente um esquema, na sua visão milionário, de venda de canários policromos, quando desviou o olhar e os seus olhos embateram na longa cabeleira ruiva da minha mãe, que se debruçava sobre um caderno. O meu pai sempre me contou que, nesse momento, um fogo subiu por si acima e, não sabe precisar se pela quentura do café ou pelo tal incêndio nas entranhas, teve a maior dor de barriga da sua, ainda jovem, vida.
Na corrida à casa de banho, não deixou de dizer à minha mãe que não saísse do lugar, porque a vida é fugaz e nunca sabemos se nos voltaremos a encontrar. A minha mãe diz que nem o ouviu, ele disse sempre que, ela soube nesse preciso e exacto momento, que iam passar o resto da vida juntos, não fosse ser teimosa como uma mula, admitiria os factos. Já refeito da monumental cólica, o meu pai sentou-se junto da minha mãe. Valha-lhe o descaramento… - disse ela. E ele: A menina escreve? E ela, arrumando à pressa o caderno e a caneta: Não é da sua conta!
Ele aproximou-se, levantou um sobrolho, e disse-lhe, Eu sou editor! Ela pousou o caderno e olhou-o de lado: Duvido. Você é é muito esperto, nunca confiar em homens de olhos verdes. E ele, sorrindo, não lhe disse nada, pediu duas bicas ao empregado e ficou sentado à frente dela a tarde toda, enquanto ela escrevia ferozmente no seu caderno.
No dia seguinte, o meu pai entrou confiante pelo café adentro, os seus papéis de embrulho arrepanhados debaixo do braço. “Temos que falar de negócios.”, disse para a minha mãe. Foi aí que a viu sorrir pela primeira vez e, antes que o tal fogo lhe voltasse a incendiar os intestinos, começou a desenrolar as hipérboles de um projecto editorial totalmente destinado ao falhanço. O que não falhou foi o resto da vida que ambos decidiram editar em conjunto, de cujas justaposições nasci eu e os meus seis irmãos e irmãs.
Foi num dia fosco, um dia lento de despedida, aquele em que o meu pai decidiu terminar a sua personagem. Com a sua mão sobre a da minha mãe, disse-lhe: Ana Maria, confessa a este moribundo que, desde aquele dia que sabias que íamos ser felizes para sempre.
A minha mãe, com a lágrima ao canto do olho, respondeu-lhe: Claro que não.
“Teimosa!” – respondeu o meu pai, sorrindo, antes de encerrar o último capítulo da sua história.
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