Texto de Sara Jesus

O Telepata
 
Desde criança tenho um estranho dom. Consigo ler os pensamentos das pessoas que me rodeiam. Não me recordo como surgiu. Nem porque tenho esta estranha habilidade. Apenas sei ser capaz de entrar na mente dos outros.
Pode parecer algo fascinante. Mas imaginem ter de lidar com as interrogações e devaneios de alguém todos os dias. Sinto, por vezes, estar a enlouquecer. Como se minha mente já não me pertencesse. Fosse parte da vida dessas pessoas.
O mais assustador era entrar na mente dos assassinos. Conseguia estar a par dos seus planos. Ouvir seus sorrisos maléficos imaginando as torturas das suas vítimas. Devem pensar que podia evitar as mortes dessas vítimas. Mas nem sempre era possível. Pois acontecia o assassino mudar o plano na última hora.
A situação mais estranha que vivi foi entrar na mente de Violet. Violet era a minha vizinha. Conhecíamo-nos desde crianças. Nossas mães eram grandes amigas, daquelas amigas que se reuniam em todas as festas e estavam sempre disponíveis uma para outra. Violet correspondia a uma menina doce, solitária, gostava mais da companhia dos seus animais do que as pessoas. Eu era a única pessoa em quem confiava.
Quando comecei a ouvir os seus pensamentos, senti estar a trair a sua confiança. Queria evitar explorar a sua mente, mas não era capaz. Como podia? Quando não tinha controlo sobre este meu poder? Quisera eu não ser telepata. Talvez tivesse evitado toda a tragédia sucedida com a minha amiga, sem a existência deste dom.
Sempre desconfiei de a Violet não ser totalmente feliz. Vivia isolada do mundo. Refugiava-se dias infinitos no quarto. Raramente falava, nem mesmo com a sua mãe era capaz de exprimir os seus sentimentos. Contudo nunca imaginei ter dentro dela um vulcão pronto a explodir.
Tentei mostrar-me mais presente na sua vida, assim que me começaram a surgir os seus pensamentos suicidas. Mas nada que fizesse parecia fazer efeito. Violet seria sempre uma alma melancólica. A minha eterna borboleta. E todos sabemos ser o tempo das borboletas breve. Ela teria de partir.