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Sempre gostei de espelhos. Tenho-os e tive-os sempre ao longo da minha vida e da minha casa. Talvez porque goste de me ver neles, ou porque necessitaria de confirmar que existo mesmo. Em criança, quando me encontrava só, lá estava aquela miúda engraçada com olhos grandes, que me olhava curiosa e acabava por me fazer sorrir. Aprendi a falar com ele. Aquele grande, o do toucador, que ficava ao lado da cama dos pais. Era um toucador antigo de pau-preto, com minúsculas gavetinhas, de um lado e de outro e no meio em rebaixo, um vão. Tanto as gavetas, como a parte rebaixada, eram cobertas por uma pedra mármore branca, sombreada a negro e no fundo do móvel lá estava ele grandioso e belo. Ladeado por bisel, tinha um brilho maravilhoso e uma qualidade de imagem inigualável. Ou então a menina já era vaidosa e achava-se belamente refletida. E foi aí que pronunciou a primeira palavra - menina -. Era então uma menina que estava do outro lado. Por vezes corria pela casa e ia até ele para ver se a menina estava lá. Estava. Às vezes assustava-se. Corria até ao quarto, já mais crescida e olhava apressadamente e de soslaio para o tal. E não se via. Que susto! Não está … Talvez desaparecesse e não volte! Com o tempo, foi-se habituando a colocar-se numa determinada posição para poder vê-la do outro lado. Um dia voltou e a menina era já uma rapariga. Passou a observá-la nua. Achava-se bela. Ajeitava o peito ao decote, quando vestida. Achava-se atraente. A boquita rosada, os grandes olhos sonhadores. Talvez se fosse mais alta… Bah! Para quê? Era bem graciosa assim. E mirava-se e mirava-se… Outro dia voltou. Olhos pisados, magoados. A menina sofria. Tinha uma criança magrinha ao colo. A rapariga chorava. O espelho mudou. Era agora outro toucador e lá estava ele. Grande e omnipresente. A mulher dançava e ria e chorava com ele. E os olhos cresciam. Cresciam de espanto. Ela não entendia. Voltou mais tarde. O quarto sombrio. Noites sem dormir. Via-se nele. Angustiada. Sombria. E mais tarde, rejuvenescida. Apaixonada. Uma e outra vez. Amou o seu reflexo. A luz que refletia. A vida. Dançou, cantou e ensaiou em frente dele. Atirou-lhe beijos e sorriu e gargalhou e soluçou. Muito. Uma vez reparou que os olhos pareciam mais pequenos. Nos cantos dos olhos havia umas pregas de um e de outro lado. Reparava agora que também de um e de outro lado da boca, havia um pequeno sulco repetido. Também a pele do rosto perdia o seu frescor habitual. Havia uma espécie de sobra de pele no pescoço que lhe dava um aspeto de peru, se não esticasse o pescoço. Decidiu então triturar os vidros do espelho e comê-los. Anda por aí a refletir luzes e voa de vez em quando. Já lhe chamaram fada, borboleta e alma. Não tem espelho nenhum e não se reflete no espelho. Ela é o espelho.
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Maio 2022
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1/21/2022
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