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por Isabel Gomes Estou aqui há uns trinta minutos talvez, não sei bem. O meu coração prestes a explodir quase não deixa que a inspiração e a expiração se façam de modo suportável. O medo. É ele que me deixa paralisado debaixo da cama, tendo arrastado comigo o tapete vermelho fino que antes estava ali ao lado. Já ouvi duas explosões, que trouxeram um clarão; agora à distância já nem sei se esse clarão chegou a existir ou se é fruto desta memória que fui buscar ao ano de mil novecentos e setenta e cinco. A minha mãe gritou logo à primeira. Eu estava sentado na cama, à espera da hora de jantar, ou melhor, de pôr a mesa. os deveres da escola já feitos; peguei no livro para o qual uma peça de teatro me tinha despertado e abri-o na página que tinha a dobra marcadora. “O Diário de Anne Frank”, o livro que para sempre me havia de deixar a impressão de ter vivido um pouco do sofrimento de todos os envolvidos naquela época, naquela sinistra guerra. Sinistra aquela, como todas as guerras. Injustas, sem sentido, com efeitos colaterais, bilaterais, trágicos e avassaladores. Depois da segunda explosão já não estava capaz de ler nada, até porque debaixo da cama não há luz que chegue para tal.
Passaram muitos anos sobre esse setenta e cinco do século vinte. No entanto, sempre que na televisão as imagens de destruição material aparecem, revivo todos os momentos e é impossível não sofrer de novo, não pensar nos que passam por esta experiência de não ter chão, de pensar que o mundo se esqueceu de nós e a sensação de que não há como voltar a respirar livremente. Uma guerra, qualquer guerra, é aquele espaço em que nada nem ninguém importa o suficiente para não lhe dar seguimento. Nem o avô que todos os dias vai buscar o pão para os seus netos, ou brinca com eles, ou os leva à escola, nem a mãe que aconchega os filhos na cama depois de jantar, nem o filho que vem com a sua nova família almoçar ao sábado com quem lhe deu as raízes que tem. Não importa também a criança que não entende de onde vêm a violência e a destruição à sua volta, que não sabe o que terá feito de errado para merecer o medo constante. Estou convosco, amigos ucranianos, como se vivesse na vossa pele. O seu comentário será publicado depois de ser aprovado.
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Novembro 2022
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5/20/2022
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