Despiram-me de mim. Penduraram a minha história em fascículos invertidos e suspensos. Perdi-me, nos pensamentos empacotados que nunca me foram permitidos. Desfiz-me, no que fui e nunca soube. A minha biografia estava tremulamente redigida em páginas vazias com capas trocadas, coladas pelo impingir de um passado. Foram rectificações enastradas embebidas em mentiras. Tanto livro, tanto mundo, tanta falta de mim. Nas palavras que sempre lá estiveram, nas letras que nunca faltaram. Fui quem nunca cheguei a ser numa descoberta lamentável do que poderia ter sido. Do que poderia ter crescido e amadurecido de outra forma e feitio. Da falta que me fizeste como mãe, amiga, companheira e confidente. E agora, que nada pode ser reescrito, ponho reticências na mágoa do que não arquivei na biblioteca da vida. Nos livros em que não participei como protagonista. Quero apagar tudo mas não consigo redigir num eco de outro recomeço. Seguro-me a isto como quem abraça os rabiscos de um passado por recuperar. Levaram-me de ti mas nunca deixaste de me procurar na existência do que fui e sempre serei para nós. Careço do tempo que me raptaram, na história incompleta de um final sem fim.
0 Comentários
Seu comentário será publicado após ser aprovado.
Enviar uma resposta. |
Desafios de escrita criativa
Este é o espaço onde, semanalmente, te desafiamos a exercitares a tua escrita. Histórico
Novembro 2020
Categorias |