LabE | Escrita Criativa
  • Serviços
  • Escrevemos Juntos
  • Artigos
  • Recursos
  • Contactos

O melhor conteúdo sobre escrita.

Section divider type: curveAsym -- position: bottom

Continuamos a dar voz aos nossos autores

2/9/2024

1 Comentário

 
A Estefânia Barroso não faltou à chamada e respondeu ao desafio mensal lançado na nossa newsletter com um texto inspirado na obra "O Beijo", de Gustav Klimt. Leia abaixo.
Parabéns, Estefânia!
O Beijo, Gustav Klimt
O Beijo, Gustav Klimt

Gustavo sabia que tinha chegado a hora da partida. Por difícil que lhe fosse, sabia que não podia adiar. Hoje iriam partir, ele e mais uns quantos bravos homens, para se unir ao esforço de outros na frente de combate. Tal situação era pouco expectável um ano antes. Pensava-se que esta guerra seria resolvida em poucos dias, mas a verdade é que do outro lado tinha-se apresentado uma nação orgulhosa, firme e difícil de vencer. Aquilo que se pensava que se resolveria em poucos dias, arrastava-se, neste momento, há vários meses e as baixas eram mais que muitas. Como tal, e porque a guerra parecia querer prolongar-se muito para além do que era expectável, todos os reforços eram necessários.

O pelotão que hoje se punha a caminho era formado, maioritariamente, por jovens adultos, mal saídos da puberdade. Era um bando de jovens a quem faltava o ímpeto guerreiro que tinham visto nos seus pais. Estes jovens percebiam que a guerra se estava a arrastar indefinidamente e que, ainda que a ganhassem, nada justificaria as baixas que se sentiam. Todas as famílias estavam, neste momento, de luto, por um irmão, um pai, um tio e até, mesmo, um avô.

Gustavo tinha sido poupado, até ao momento, a esse esforço de guerra. O seu pai tinha sido dos primeiros a cair em combate e, como ele era o único sustento da família – constituída pela viúva, sua mãe, e por mais duas irmãs, tinham decidido que Gustavo se iria manter na aldeia, não partindo para a frente da guerra.

Contudo, as baixas eram imensas, as necessidades de homens que combatessem infindas. Já pouco importava se era Gustavo quem sustentava a casa. A necessidade de o ter, junto dos outros jovens, era incontornável. E assim aconteceu: um dia, Gustavo recebeu uma missiva que o convocava para se juntar à frente de combate…
Tinha-se passado uma semana desde essa convocatória. Desde esse dia, as lágrimas eram muitas. A mãe, que ainda se demonstrava inconsolável por ter perdido o marido, sentia que estava prestes a perder o filho varão. As irmãs choravam pelo irmão mais velho, por sentirem que ficariam, doravante, completamente desprotegidas e, há que dizê-lo, pelos jovens amigos que também iriam partir, acompanhando o irmão.

Gustavo guardou uma última visita para o dia da partida. Queria guardar a imagem da sua amada na mente e no coração. Ainda que quisesse muito ver e abraçar Madalena, a dor da separação já o dilacerava. Não conseguia apagar da mente a imagem da sua amada, com as lágrimas a caírem-lhe quatro a quatro, quando a tinha informado sobre a convocatória… Despedir-se dela iria ser o mais difícil. Mas tinha de o fazer.

Gustavo caminhava lentamente em direção à casa da sua amada Madalena. Este momento era-lhe deveras difícil. Na mão levava um manto que a mãe tinha bordado e costurado pelas suas próprias mãos. Ela realizara aquela pequena obra de arte para oferecer à primeira filha que se casasse, mas considerou que oferecê-lo a Madalena seria, naquele momento, a decisão acertada.

Gustavo chegou então a casa de Madalena. Bateu à porta. Ela veio recebê-lo com um semblante triste. Os seus cabelos cor de fogo, habitualmente tão brilhantes, estavam baços, tal como estava a sua cara. Ainda assim, Gustavo reparou que ela envergava, para a despedida, o seu melhor vestido e que tinha adornado o seu cabelo com florzinhas do campo. Gustavo sorriu. Ela era tão bela!

Mostrou-lhe o manto, referindo que era a sua prenda de despedida. Não trocaram muitas mais palavras. Gustavo enlaçou-a, cobrindo-a com o manto que lhe tinha oferecido. Sentia o calor do seu corpo atravessar as camadas de tecido. Ah, como ia sentir falta desse aconchego – pensou ele. Depositou-lhe um beijo terno na cara. Pensou que era essa imagem que ele queria guardar para todo o sempre na sua mente. A beleza dela e aquele momento que, apesar de carregado de tristeza, estava carregado do amor que os unia, do aconchego que ela lhe transmitia. Queria gravar essa imagem do beijo, do abraço, da sua amada para a eternidade.

Meses mais tarde, quando Gustavo tombou em combate, foi essa a última imagem que lhe atravessou a mente. Quem olhasse para aquele corpo ali largado, para aquele rosto sem vida, poderia ver, estranhamente, um leve sorriso na ponta dos lábios.

Gustavo tombou em combate. Perdeu a vida. Mas temos a certeza de que a última imagem que lhe atravessou a mente não foi o horror daquela batalha, o sangue e a lama, mas sim a imagem dele próprio a abraçar e a dar um beijo à sua linda Madalena, de olhos fechados, com flores no cabelo, embrulhada num manto e num abraço.
1 Comentário

    Histórico

    Abril 2025
    Dezembro 2024
    Fevereiro 2024
    Janeiro 2024
    Outubro 2021
    Setembro 2021
    Outubro 2020
    Setembro 2020
    Maio 2020
    Abril 2020
    Março 2020
    Fevereiro 2020
    Janeiro 2020
    Dezembro 2019
    Novembro 2019
    Outubro 2019
    Setembro 2019
    Agosto 2019
    Julho 2019
    Junho 2019
    Maio 2019
    Abril 2019
    Março 2019
    Fevereiro 2019
    Janeiro 2019

    Categorias

    Tudo
    Autores
    Blogue
    Dicas Para Autores
    Entrevistas
    Exercícios De Escrita Criativa
    Livros
    Marketing Digital
    Passatempos
    Workshops

    Feed RSS

Laboratório de Escrita | Lara Barradas
Home | Serviços | Escrevemos juntos | Artigos | Recursos | Contactos
Termos de Serviço | Política de Privacidade
 © 2025 Laboratório de Escrita | Lara Barradas. Todos os direitos reservados.

Instagram | Facebook
Assina para receberes novidades sobre escrita criativa

  • Serviços
  • Escrevemos Juntos
  • Artigos
  • Recursos
  • Contactos