LabE | Escrita Criativa
  • Serviços
  • Escrevemos Juntos
  • Artigos
  • Recursos
  • Contactos

O melhor conteúdo sobre escrita.

Section divider type: curveAsym -- position: bottom

A Gaita de Pã

11/30/2019

0 Comentários

 
gaita de pã, flauta de pã, workshop de escrita criativa
Há coisas que nos enchem de orgulho. Este conto, proposto pelo Laboratório de Escrita e criado pela Júlia Domingues, participante de um dos nossos workshops de escrita criativa, é uma delas.
Não deixem de ler, prometemos que não se vão arrepender!
"A tarde tinha-se posto cinzenta. As grossas nuvens vaticinavam o resto do dia e a aragem fria desassossegava as escassas folhas que ainda permaneciam em cima das árvores. As ruas da parte baixa da cidade adensavam-se de pessoas, que calcavam os paralelos da calçada portuguesa de forma aleatória. Lá ao fundo, numa ruela esquecida pela vida, passava Mário, o amolador que trazia a chuva. A melodia atrapalhada que saía da sua gaita de pã atraía os mais pequenos para os beirais das janelas.
— Lá está este a chamar a chuva! – Diziam os velhos, com o cigarro na ponta dos dedos e com o olhar pregado ao céu.
Mário, homem para os seus quarenta e muitos anos, acordava, todos os dias, antes do sol despertar. Cambaleava até à casa de banho e, de fronte para o pequeno espelho, desfazia a barba com a ajuda do velho pincel de pelo de marta. No cabelo, actualmente grisalho, espalhava uma brilhantina barata e amaciava o farto bigode com o que restava do produto. O pai de Mário – um homem rude e de pouca formação – havia pegado nele, depois de Mário ter chumbado no quarto ano de escolaridade, e confinara-o à pequena oficina, onde as facas e as tesouras passaram a ser os brinquedos da sua mocidade. O que o pai lhe deixou do ofício faltou-lhe em amor.
— A vida é mesmo assim, ou matas ou morres! – Disse-lhe o patriarca, numa manhã fria de inverno, antes de enfiar umas roupas na mala de viagem e abalar de casa para nunca mais voltar.
Aos quinze anos, Mário viu-se entre o fio da navalha e uma mãe moribunda deitada numa cama sem asseio. No dia a seguir ao pai ter abandonado o lar, Mário acordou mais cedo do que o costume. Saiu de mansinho, para não acordar a mãe, e desceu a rua até à oficina, que o recebeu com uma parafernália de velhos objectos. Entre eles, destacava-se a gaita de pã, deixada pelo pai, no dia anterior, em cima da bancada. Nessa manhã, com o choro preso entre a garganta e o esófago, Mário tocou, pela primeira vez e sozinho, uma melodia que o acompanharia no desespero dos dias.
Era assim há mais de trinta anos. Não sabia fazer as coisas de outra forma. Todas as manhãs, depois de comer um papo-seco e de beber uma caneca de café com leite, deixava o pequeno-almoço na mesinha de cabeceira do quarto da mãe e saía de casa com os bolsos vazios de dinheiro e com coração cheio de esperança. Esperançava-se que a vida melhorasse ou que o pai, um dia, voltasse. Mas nem a vida melhorou e nem o pai voltou. A esperança finou-se de vez no dia em que Mário encontrou a mãe sufocada no próprio vómito. Desde esse dia que não voltou a tocar a gaita de pã. No dia do funeral da mãe, atirou-a para um canto da oficina e deixou-a caída entre as varetas partidas e as lâminas cegas das facas sem uso. Além de chamar a chuva, como sempre ouviu os outros dizerem, acreditava que era a gaita de pã que lhe enxotava a pouca sorte que tinha.
Mário sobreviveu como pôde. Casou novo, com um sim arrancado a ferros, depois de ter namorado Noémia durante três anos. Noémia, mulher de anca larga e mãos de pele grossa, gritava os melhores pregões de Lisboa e arredores. Tinha uma banca na praça há mais de dez anos e o sonho de conhecer o mundo. Um dia, Noémia não regressou da praça. Mário, sentado na cozinha em frente a um prato vazio – que nunca chegou a ser servido – esperou-a o resto do dia. Nessa noite, deitou-se sem comer. No bairro corria à boca pequena que Noémia tinha fugido com um marinheiro, que tinha vindo a terra procurar mulher, e que prometeu levá-la a conhecer o mundo. Diz-se que, nesse dia, Noémia nem esperou para limpar a banca da praça. Atirou o avental para o chão, pejado de escamas, e abalou sem olhar para trás. Do casamento, Mário guarda o álbum de fotografias a preto e branco e a aliança na primeira gaveta da mesinha de cabeceira.
Mário não voltou a casar. Resignou-se ao igual dos dias e aceitou, sem reservas, que a vida nada mais lhe reservava senão uns parcos, mas fiéis clientes, que lhe dava para pôr o pão na mesa. De manhã, percorria as ruas da parte velha da cidade e de tarde recolhia à penumbra da oficina, onde se entretinha a reparar aquilo que os outros tinham dado como sem concerto.
 
Naquela manhã, o sol teimou em não aparecer. A aragem era fria e a chuva ameaçava cair a qualquer instante. Antes de sair para a rua, para mais um dia igual ao anterior, que tinha sido igual aos anteriores, Mário passou pela oficina para reparar a mó. Há uns dias que a sentia mais perra do que o habitual. Procurou umas ferramentas velhas no meio de outras ferramentas velhas e viu a gaita de pã caída num canto da oficina. Agachou-se e pegou nela. Já não se lembrava de como ela soava, nem tão pouco se lembrava porque a tinha atirado ao chão, há mais de vinte anos. Sacudiu-lhe o pó soprando para as palhetas e, aos poucos, o som começou a formar-se entre um sopro e outro. Meteu a gaita ao bolso e saiu.
A manhã tinha sido fraca. Antes de fazer uma pausa para almoçar na tasca do Arménio, como acontecia todos os dias desde que a mulher saiu de casa, Mário jogou as mãos aos bolsos para contar as moedas. À porta da tasca, balbuciou:
— Arménio, isto hoje não chega para o prato do dia e para meio jarrinho de vinho, posso pagar o resto amanhã?
— Porra Mário, é sempre a mesma coisa. Isto está mau para todos, ouviste? Qualquer dia acaba o fiado. – Disse-lhe o dono da tasca enquanto enchia meio jarro de vinho directamente da pipa e o punha à frente de Mário que, entretanto, se sentou ao balcão de costas para a porta.
Ao longe, o televisor da tasca debitava um som abafado que, entre o burburinho dos clientes e o tilintar dos pratos e talheres, não permitia descodificar o que o jornalista dizia. Foi um dos clientes que deu o alerta:
— Arménio, põe o raio da televisão mais alto. Não se ouve o que o jornalista está a dizer e parece que está a acontecer alguma coisa.
Todos tomaram atenção ao televisor. Todos menos Mário. Já nada lhe interessava, já nada lhe roubava a atenção. A vida havia-lhe tirado tudo e ele era apenas o que restava do somatório dos dias iguais. Assim, Mário ignorou que o jornalista estivesse a informar os telespetadores, em notícia de última hora, que se encontrava a monte um assassino fugido do estabelecimento prisional de Lisboa, há pouco mais de duas horas, e que tinha sido avistado, nos últimos minutos, na parte baixa da cidade de Lisboa. A agitação dentro da tasca do Arménio foi imediata. Uns juntavam os talheres com o olhar colado à televisão, outros emborcavam à pressa o que restava dentro dos copos mal lavados. Os comentários não tardaram:
— O assassino anda à solta!
— Ainda não o conseguiram apanhar.
— Foi visto aqui perto.
O resto conta-se por si. O cheiro a medo e a valentia esmorecida no rosto de cada cliente espelhava o pânico que estava prestes a instalar-se nas paredes da tasca. De costas para a porta e para a vida, Mário contava as moedas, espalhadas no balcão, e preparava-se para sair. No minuto seguinte, alguém entrou de rompante no acanhado estabelecimento e agarrou Mário pelo pescoço. Um braço robusto e imundo abraçava-lhe o pescoço, suprimindo o pouco ar que lhe restava nos pulmões.
— É ele! Assassino! Assassino!
            Num acto involuntário, Mário, com a pouca força que lhe sobrava, enfiou a mão no bolso das calças coçadas e alcançou a navalha ponta e mola – o único presente que o pai lhe oferecera. Num impulso rápido e fugaz, Mário jogou o braço direito por cima do ombro esquerdo e, com a calma de quem já não tem pressa de viver, enterrou a ponta e mola no pescoço do homem. Aos poucos, sentiu o ar a voltar aos pulmões e a respiração a desengasgar-se. Antes de se virar para ver quem o tinha atacado, proferiu:
            — A vida é mesmo assim, ou matas ou morres!
*
Quando a polícia chegou à tasca do Arménio, a poça de sangue, oriunda do pescoço do homem, ocupava mais de metade do chão de mármore. Um corpo, inerte e disforme, jazia junto aos bancos altos de inox que preenchiam o comprido balcão da tasca. Mário, com uma inexpressividade no rosto fora do comum, fincava o corpo contra uma parede fria e suja. Não se lhe ouviu uma única palavra. Não riu, não chorou, não se entregou à culpa nem apelou por inocência. Olhava fixamente para o homem que tinha acabado de matar para evitar, quem sabe, de ser morto. Quando a polícia o algemou, Mário não ofereceu qualquer resistência. No televisor, a emissão tinha sido interrompida para dar conta aos telespectadores que o assassino, fugido do estabelecimento prisional de Lisboa, tinha sido morto com um golpe de uma navalha ponta e mola na veia jugular e que teve morte imediata. Antes de sair da tasca do Arménio, o agente de autoridade perguntou a Mário:
— Conhece a vítima?
— Conheço. – Respondeu prontamente. – É o meu pai!
Para trás, junto ao corpo, estava a gaita de pã, a mesma que continuava a enxotar a pouca sorte que Mário tinha na vida."

0 Comentários

Chegaram os melhores presentes de Natal!

11/29/2019

0 Comentários

 
vale oferta, vale presente, voucher oferta, escrita criativa, crianças
vale oferta, vale presente, voucher oferta, escrita criativa, adultos
🎄 Sabemos que experiências são mais valiosas do que bens materiais, sabemos que os nossos workshops de escrita criativa são, muitas vezes, o primeiro passo num caminho apaixonante.
Criámos estes vales presente a pensar naqueles que querem oferecer algo especial a alguém especial.
Os vales são enviados via e-mail - poderão imprimi-los - e são válidos durante todo o ano de 2020.
0 Comentários

Como criar um blogue

11/27/2019

0 Comentários

 
Imagem
Se és escritor, nada melhor do que um blogue para divulgar o teu talento, sejam textos, livros, eventos ou mesmo os bastidores da tua vida de autor.
Mas, por onde deves começar? Se nunca tiveste um blogue e te sentes perdido, lê o passo a passo que fizemos para ti.
1. Escolhe uma plataforma.
Existem várias plataformas onde podes criar o teu blogue de forma gratuita e intuitiva. As mais conhecidas entre nós são o Wordpress, o Weebly, o Wix, o Sapo e o Blogger.
Antes de meteres mão à obra, explora as funcionalidades, vantagens e desvantagens de cada uma delas. Se quiseres seguir a nossa recomendação, estamos com a maioria, Wordpress é a plataforma mais completa.
2. Escolhe um domínio.
Se queres chegar a um grande número de leitores, é imprescindível que tenhas um domínio. Um domínio .com ou .pt vai facilitar a apresentação do teu blogue nos resultados dos motores de busca. Este é o único investimento financeiro que poderás ter que fazer no teu blogue, no entanto os valores anuais são bastante simpáticos.
Para além da extensão do domínio, terás que escolher o nome pelo qual queres ser conhecido. Podes usar o teu nome, pseudónimo ou qualquer outro nome que queiras dar ao blogue, por exemplo, sandrasilva.pt ou souescritora.pt.
Se és escritor deves assumir o nome com que publicarás as tuas obras, ou os leitores terão dificuldade em associar o blogue à tua imagem.
3. Desenha o teu blogue.
Escolhe o modelo, o tipo de letra, as cores e o cabeçalho.
A imagem do teu blogue é a responsável pelo primeiro impacto no leitor, não a descures.
Para a criação de elementos de design experimenta o Canva ou o Sparkpost. As versões gratuitas destas aplicações têm vários modelos que poderás usar e adaptar. Vais fazer um brilharete.
Se precisares de imagens gratuitas, e livres de direitos de autor, experimenta o Pixabay, Unsplash, Picjumbo e Pexels.
3. Cria as páginas estáticas.
Para além do feed de publicações, o teu blogue terá algumas páginas estáticas que deves definir e completar. As mais comuns são a "página inicial", "sobre" e "contactos".
Nestas páginas podes incluir os ícones de partilha nas redes sociais que serão de uma enorme importância na divulgação do teu trabalho. As plataformas de blogues oferecem ainda a possibilidade de incluir vários outros ícones com funcionalidades interessantes, explora-os.
Sugerimos que visites páginas com muitos seguidores e te inspires. Lembra-te de que inspiração não é cópia.

4. Cria uma lista de e-mail.
Uma lista de e-mail é a melhor forma de alcançares os teus leitores e entregares o conteúdo que aceitaram receber. O teu blogue poderá incluir um formulário de subscrição para esse efeito. Como construir o formulário? O Mailchimp é gratuito e perfeito, basta usares um dos modelos e associá-lo ao endereço da tua página.
Podes começar a enviar newsletters logo que tenhas os primeiros contactos. A frequência de envio deve ser equilibrada: se for demasiado frequente pode tornar-se aborrecido e levar os teus leitores a anular a subscrição, se for trimestral ou anual a ligação quebra-se e esquecer-se-ão de ti. Para começar, considera o envio quinzenal ou mensal.
Se queres aprender, nada melhor do que observar. Subscreve a lista de e-mail de um dos teus autores favoritos e observa o funcionamento e os e-mails que te envia.
5. Começa a escrever.
Está tudo pronto, falta o principal: começares a escrever.
Mantém-te ativo. Um blogue de sucesso leva tempo a construir e só se alcança com muito empenho e publicações frequentes.
Ao contrário daquilo que acontece nas redes sociais, as tuas publicações terão melhor desempenho se forem longas, preferencialmente com mais de mil palavras. Os blogues foram idealizados para a divulgação de texto e são procurados por um público ávido de conteúdo.
Queres ou não ser um verdadeiro blogger?
6. Divulga nas redes sociais.
Usa as redes sociais a teu favor e divulga as publicações do blogue. A baixa interação pode ser frustrante, mas acabarás por encontrar o teu nicho e interagir com leitores interessados e outros bloggers.
Embora os utilizadores do Facebook e Instagram prefiram imagens e textos curtos, usa a criatividade para os levar até à tua página: frases que captem a atenção, imagens de alto contraste a acompanhar a publicação, temas de grande interesse e fraturantes. Todos os temas podem ser adaptados ao teu estilo de escrita.
Explora também outras redes sociais que reúnam uma grande comunidade de bloggers, como o Pinterest.

Se achaste este artigo útil, partilha-o para que chegue a mais pessoas; se tens alguma  dúvida deixa-a nos comentários, tentaremos responder logo que possível.
0 Comentários
<<Anterior

    Histórico

    Abril 2025
    Dezembro 2024
    Fevereiro 2024
    Janeiro 2024
    Outubro 2021
    Setembro 2021
    Outubro 2020
    Setembro 2020
    Maio 2020
    Abril 2020
    Março 2020
    Fevereiro 2020
    Janeiro 2020
    Dezembro 2019
    Novembro 2019
    Outubro 2019
    Setembro 2019
    Agosto 2019
    Julho 2019
    Junho 2019
    Maio 2019
    Abril 2019
    Março 2019
    Fevereiro 2019
    Janeiro 2019

    Categorias

    Tudo
    Autores
    Blogue
    Dicas Para Autores
    Entrevistas
    Exercícios De Escrita Criativa
    Livros
    Marketing Digital
    Passatempos
    Workshops

    Feed RSS

Laboratório de Escrita | Lara Barradas
Home | Serviços | Escrevemos juntos | Artigos | Recursos | Contactos
Termos de Serviço | Política de Privacidade
 © 2025 Laboratório de Escrita | Lara Barradas. Todos os direitos reservados.

Instagram | Facebook
Assina para receberes novidades sobre escrita criativa

  • Serviços
  • Escrevemos Juntos
  • Artigos
  • Recursos
  • Contactos