Em tempo de férias, trouxemos na bagagem o primeiro romance de Clarice Lispector, A Maçã no Escuro.
Sempre considerámos a escrita da autora uma preciosa representação da criatividade e daquilo que consideramos ser a identidade na escrita criativa, por isso não conseguimos passar indiferentes a este livro numa visita à Déjà Lu. Terminada a leitura, partilhamos convosco as nossas impressões sobre a obra. Que Clarice teve um estilo muito próprio de desfiar em camadas o íntimo humano, é do conhecimento geral. Da derme ao mais profundo, a autora jamais refreou uma forma peculiar de desmontar as emoções humanas. Neste livro, que passou por várias versões até à data da sua publicação, na década de sessenta, Lispector mergulhou - talvez - de forma demasiado profunda na complexidade da alma humana. A tal ponto que o limite entre a narrativa poética e filosófica se esbate e dilui os limites que empiricamente concebemos. Não é um livro de fácil leitura. É um romance que nos leva, frequentemente, a questionar a saúde mental de um criminoso e das restantes personagens graças aos pensamentos e diálogos - algo bizarros - que nos convidam a fazer uma pausa na leitura e a refletir, de sobrolho franzido, sobre a mensagem subliminar contida em frases aparentemente desprovidas de contexto. No entanto, quando nos envolvemos na trama, não são raros os momentos em que, de forma subtil, vestimos a pele dos envolvidos e interpretamos à luz dos questionamentos filosóficos mais profundos aquilo que à primeira vista nos pareceu indecifrável. Mais ainda, a identificação com as personagens não é improvável. Em jeito de conclusão, não é um livro para o leitor que prefere uma trama leve e livre de reflexões mais complexas e profundas. Tão pouco é uma narrativa para se beber de um trago. É o tipo de obra que se ama ou se odeia, e isso não lhe tira o mérito literário, ao contrário, transforma-a numa leitura obrigatória para quem aprecia um romance menos comercial mas de uma profundidade rara.
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Fevereiro 2024
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