O António Freitas respondeu ao desafio mensal lançado na nossa newsletter e escreveu um texto inspirado numa obra de arte visual. Partilhamos o resultado. Parabéns, António! Tenho observado os teus males de alma
— Espera! É este o museu? Não aguardei pelo seu afirma, saltei a escadaria de dois em dois degraus. Uma estranha aflição tomara-me por completo. Ela, a figura redondinha da minha amiga, ao longe parecia um fogacho de inquietação… Parei um momento apreciando aquele frenesim a que já me habituara, sempre que algo inaudito acontecia. E comigo era frequente, enquanto a vida para Maria se resumia à continuidade dos dias, a refeições bem nutridas… e à tal alegria contagiante, frenética por vezes. Habituei-me a chamar-lhe “o meu génio destruidor”, o Vento que me desagarra do nevoeiro, dos relâmpagos da noite, e me delicia quando descreve uma estrela no céu que mais brilha e a estória que a sustenta no vazio celeste, me traz inusitadamente flores fora de estação… e que seu mágico brilho no olhar me suspende o sufoco da loucura. — Entra no museu! Corri na visão almejada, encontrei a porta azul, esculpida por mão de mestre… e onde ensaiara a fresta prometida. A metros do alvo estanquei e… Vi-te! Olhos indagadores, verdes de esperança em si fundida, em mistério que se espraia, mas em campo abandonado ao silêncio… possuído, talvez, por algum génio destruidor que não te deixa caçar flores, golpear estrelas, rasgar nevoeiros… tudo o que fazia no teu “antes”… mas tão somente espreitar até enlouqueceres. Vi no fundo do teu olhar o esforço que sempre compensou a minha vida, a certeza do desejo imenso de atravessar qualquer cortina batida pelo vento. Observo em teus olhos os males de alma e os silêncios espelhados sem limites do teu coração. — Sei que voltaste… E teus lábios, escondidos, não se cansavam de repetir: — Voltei! Sou eu outra vez! — …não morreste e estás aqui comigo, e que encontrarás sempre solução para não partir, e repousarás tua cabeça junto do meu coração..., mas não te vejo! Teu amor não mente porque sempre existiu, mais do que em mim mesmo, confio em ti. Sou humilde na espera e considero tua ausência apenas a parte da vida em que enlouqueci..., mas não te vejo! Sonho todos os dias que contigo construo a memória, a lembrança do próprio sonho, mas estou deixando de confiar, pois só vislumbro loucura no que proponho, pois não te vejo! Sorrio para ti todos dias, todas horas mesmo, doces palavras em lágrimas embrulhadas envio. Nunca de ti desistirei! Será utopia? Não! És o meu tesouro! E podes voltar..., mas ainda não te vejo! Não calculas o ciúme que nutro por quem te tem. Cada dia começo com esperança, depois raiva, e no fim uma profunda desilusão. É agora que aceito a morte… quem vai chegar sou eu… venha o pintor e alargue a fresta ... e de olhos abertos salto… e exclamarei: JÁ TE VEJO! O relógio sobre a mesa de cabeceira tocou. Abro os olhos, sinto humidade descendo a face, que rola e me banha os lábios… Têm o sabor daquele Olhar que navega constante no meu subconsciente. Feliz, exclamo: a minha MULHER está aqui! Levanto-me num ápice. Corro para a casa de banho. Abro o duche, e já no quente exclamo: — E continuas aqui, meu Amor!
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Dezembro 2024
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